Em nove anos muita coisa acontece. Quem, há noves anos atrás, andasse perdido nas amarguras da adolescência, ou distraidamente abraçado a uma grande paixão, talvez liberte um sorriso ao recordar tais dias. Com a casa dos vinte tão perto e (at the same time) tão longe, quem em 95 se tenha encontrado com Before Sunrise, de Richard Linklater, terá certamente encontrado aí um fiel reflexo de aventuras, desejadas ou reais. Nos anos 60, para toda uma geração, e muitas que se seguiriam, haveria sempre Casablanca. Em plenos anos 90, as coordenadas alteram-se, passando a existir Viena, e toda uma miríade de linhas de comboio povoadas de ilimitadas possibilidades para encontros com a alma gémea ainda por encontrar. É o tempo da febre inter-rail.
Nove anos passados, Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy) encontram-se de novo, depois de falhado o prometido encontro seis meses depois. Encontram-se eles e nós, que nos revemos em tanta mudança. Em nove anos muita coisa muda, e o sorriso que surge ao recordar tais anos deixados para trás, altera-se ao olhar para o que mudou nesse intervalo de tempo. Com Before Sunset, que hoje estreia, Linklater consegue um pequeno milagre. Como aguentar, para alguns, passar mais de uma hora, frente a um ecrã que mais se assemelha a um espelho, onde nos revemos constantemente? Com os falhanços de tanta escolha feita, disfarçados na ilusão de pequenas conquistas.
Se em Before Sunrise a paixão ingénua, cega e fascinada, surgia como libertadora, prometendo ultrapassar qualquer obstáculo, ou armadilha, que a vida, no seu quotidiano, pudesse colocar; passados todos estes anos, essa mesma paixão dá lugar a um desalento desencantado, de personagens vencidas. Não deixa, ainda assim, Before Sunset, de ser uma agradável comédia romântica, com lugar a constantes sorrisos, daquelas que azulam o dia mais cinzento. Mas as rugas lá estão, e as conversas de circunstância iniciais acabam por dar lugar às lágrimas finais.
Se já antes este era um projecto de apenas dois actores, com tudo em seu redor colocado no seu respectivo lugar, em plano secundaríssimo, nunca como agora tal se torna tão visível. Tudo aqui não passa de um longo diálogo entre as duas personagens, pelas ruas e cafés parisienses. Um diálogo sem espaço para quebras, num crescendo constante.
Não tivesse Woody Allen que trabalhar a tão alucinante ritmo, como tem sido seu apanágio nos últimos anos, e talvez ainda conseguisse fazer um filme assim. Divertido, apaixonado e apaixonante, com um apurado sentido de humor como durante muitos anos nos habituou.
Depois de tantos anos, dificilmente se conseguiria acreditar, antes de ver, que Linklater, ele que juntou os mesmos actores no seu experimental, e de certa forma falhado, de tão pretensioso, Waking Life, pudesse recuperar a memória de um dos seus momentos mais altos, com tal brilhantismo e elegância. Depois de visto, as dúvidas ficam desfeitas e só resta agradecer tão feliz momento de nostalgia.
Por: Hugo Sousa
cinecorta@hotmail.com