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Ano após ano…

Editorial

1. Agosto é mês de férias, de festas e romarias, de turistas e emigrantes. E é mês de fogos. Os incêndios, que todos os anos por esta altura deflagram de mansinho e provocam sobressalto imenso por onde passam deixando um rasto negro de destruição. O flagelo impressiona e nas aldeias vive-se a dor de quem perde tudo, com revolta pela impotência de controlar a força bruta das chamas e de lamento pela destruição. Todos os anos é assim. Tantos anos de reiterada tragédia, tantos anos de debate, tantos anos de investimento para mudar o paradigma e tantos anos de insucesso na floresta… Tantos anos de falhanço!

Bem podem as autoridades falar das «severas» condições meteorológicas (temperaturas altas). E os brutais investimentos em meios de combate, comunicações, vigilância e formação de bombeiros para aliviar a nossa consciência. Certo, porém, é que os números dantescos dos últimos dias dão que pensar e suscitam “severa” inquietude. Assim, não há floresta que aguente, nem meios de combate que cheguem. O endémico drama nacional dos incêndios reclama perguntas difíceis e respostas corajosas, de médio e longo prazo, mais centradas nas políticas de território e menos nos instrumentos de combate. Mais de planeamento e ordenamento do território e menos de socorro. Mais de futuro e muito menos de presente. Até porque o investimento em meios será, por este andar, insustentável. A doentia desertificação nacional associada à excessiva metropolização (há territórios do litoral que estão hoje classificados como de “baixa densidade”!), o muito deficiente ordenamento do território, a obsoleta estrutura fundiária do solo rural ou a ineficaz gestão dos baldios são cancros difíceis de curar mas que reclamam tratamento.

Portugal arde… porque durante anos o campo foi abandonado, pela desertificação rural, porque se acabou com a vigilância, porque a economia rural ancestral acabou e nada se fez para reconverter e organizar a floresta… Todos os diagnósticos foram feitos, todos somos já “especialistas” em floresta e em incêndios. Mas à hora da verdade, os políticos, os governantes, os decisores, os que têm de antecipar o futuro e decidir para o futuro, continuaram ausentes da reflexão e da capacidade de promover a proteção da Natureza.

Não podemos deixar esquecer a tragédia deste verão.

2. Perante a tragédia da Madeira não podemos ser indiferentes perante o movimento de solidariedade com quem perdeu tudo. Por entre o fumo e a desolação do flagelo, salva-se, como sempre, a enorme disponibilidade dos portugueses para ajudarem quem precisa – a solidariedade dos portugueses é a única boa notícia dos últimos dias. É bom sabermos que vivemos num país, que pode ter muitos problemas, que pode conviver com muitas divergências na sociedade, mas quando é preciso ajudar quem precisa, todos ajudamos. E é também bom saber que os bombeiros portugueses, mesmo quando têm poucos meios ou são menos apoiados, estão sempre lá, bravos e disponíveis para combater as labaredas até à exaustão. E foi bom ver a forma como o Presidente da República foi à Madeira levar um pouco de esperança a quem cheirou a tragédia e temeu pela própria vida, emprestando o seu ombro para dar algum consolo a quem perdeu tanto e sofreu com a tragédia. Um Presidente é para isso, para estar ao lado do povo, ao lado quem precisa… Por estes dias todos precisamos de um pouco de consolo.

Luis Baptista-Martins

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