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Angola em Saragoça (II)

Quando se viaja vai-se exponenciadamente aberto para as surpresas, de olhos arregalados ao máximo, para nada se perder, para fruirmos ao máximo, aprendermos ao máximo de tudo quanto vemos. Mas, quando vamos ter com alguém pela primeira vez, sabemos que levamos alguma preparação. Um encontro de um humano com um humano tem, desde logo, como incoercível denominador comum a humanidade que em cada um dos interlocutores existe.

Os meus ininterruptos mais que dois anos de estada em Angola deram-me preciosas indicações. Este calor humano tão característico do português – ainda maior se se tratar de pessoas de baixa condição sócio-cultural que foram quem, durante anos e no geral, emigrou para aquelas terras –, este calor humano, dizia, passou, evidentemente, para o nativo. Mas o calor e a grandeza existiu, também, em portugueses de rara categoria, como, v.g., o egitaniense Eng. Crespo de Carvalho.

O encontro não podia ter sido mais fácil, porque os filhos de uma terra úbere são eles próprios intrínseca, admiravelmente, calorosos. São mais delongas baste ter em consideração as suas danças, o seu folclore.

Relacionar-me desta maneira é um encanto para mim: eu dou tudo sem quaisquer reservas; é-me dado tudo sem quaisquer reservas. Melhor. Dou tudo exponenciadamente; recebo tudo exponenciadamente. Foi justamente o que me aconteceu, mal tinha pisado o espaço do pavilhão angolano. E é da mais elementar justiça elogiar aqui esse formidável calor humano das jovens Edna Adão e Jessica Gonçalves (ordem alfabética), que me cumularam de atenções. Deus as abençoe para sempre. Mais. O seu altamente tocante acolhimento já, de algum modo, o sentira com os elementos da selecção angolana de futsal que encontrara, durante refeições, no “meu” hotel (Turismo). E, se é bem certo que tenho sorte em tudo, mais uma vez as minhas expectativas foram absolutamente suplantadas.

Desde lodo achei muito bem que uma fotografia de José Eduardo dos Santos marcasse presença. Depois de uma guerra de inenarráveis dilacerações, um País tem que sentir a existência de um símbolo e a comunidade internacional impregnar-se bem de tal. E conquanto a Imprensa seja o que é – já nem vou dizer que alguma é péssima em muitos aspectos mas se crê uma excelência – e conquanto a Imprensa não apresente o discurso profundo da Filosofia construtiva ou da religiosidade, José Eduardo dos Santos merece um respeito profundo, porque se converteu. Relembre-se, a esse respeito, a recente conversão de Tony Blair. Uma pessoa vulgar, presunçosa, nem tem categoria para a exigência religiosa, nem para se pensar integrada, religiosamente.

As relações fazem-se com humanidade, a mais acendrada. E é por isso que Saragoça é um absoluto desmentido, digamos, ao que pode ser percebido na imprensa lusa, uma automática negação do autor de blogue ou quejandos, que afirmou uma sujeição de Portugal a Angola. A uma tal criatura está longe de passar pela cabeça que as relações entre os dois países não apenas têm séculos de existência, como são muito mais profundas que alguma vez ele poderá imaginar. “Vale mais uma pinga de sangue que uma arroba de amor”, diz o ditado; e, no caso em apreço, são sangues aos milhares e milhares cruzados desde antanho.

O mal do colonialismo não está em não ter sido empreendedor e não ter deixado obra perdurável, sim no seu ocluso egoísmo. Queria a abundância e a prosperidade custasse o que custasse (deportações, mortes, escravatura, trabalho forçado, latrocínio…), ignorando que a fortuna, uma vez obtida, não está definitivamente adquirida e que, se os bens não se partilham, terríveis consequências virão. O colonialismo – e houve muito pior que o português, excepto na boca dos descendentes da ralé australiana – nunca soube que “cá se fazem, cá se pagam” (senão nós, os nossos descendentes), muito menos que só uma generosidade bem aceite leva à genuína felicidade. Ignorou (ignorava) que a Bíblia, o Corão, o Budismo, o Livro dos Mortos Egípcios e Tibetanos… são unânimes: se quer receber e ser rico há que, antes, ser generoso. Adiante porém.

Após a conversa e o exaltante acolhimento da Edna e da Jessica o que se me deparou foi um conjunto de telas. Foi empolgante, porque o supremo requinte que a Arte é, ali estava, desde logo, a afirmar riqueza interior e prosperidade material. O espaço do pavilhão era tão exíguo e as condições de luminosidade tão insuficientes que não deu para extensas conclusões. Mas, muito gratamente surpreendido pela, exclamei para mim mesmo: Angola está safa!. Uma conclusão foi-me, pelo menos, possível: a arte dos pintores angolanos em Saragoça é afirmação de consciência, vitalidade, extrema alegria e total confiança no futuro.

As contagiantes juventude e alegria, bem como o acolhimento, da Edna e da Jessica são bem o que Angola é – uma presença e uma afirmação.

Guarda, 12-X-08

Por: J. A. Alves Ambrósio

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