Amílcar Salvador, presidente da Câmara de Trancoso, destaca a importância da Feira de São Bartolomeu e faz um balanço do seu primeiro ano de mandato
P – Esta é a sua primeira Feira de São Bartolomeu enquanto presidente do município. Também se deseja uma nova era para o certame?
R – É a primeira enquanto presidente de Câmara mas já estive em muitas feiras de São Bartolomeu, conheço bem este certame e sei a importância que tem. Este ano a feira acarreta para o município algumas dificuldades, até porque assumimos encargos que em edições anteriores não eram suportados pela autarquia, nomeadamente a vedação e a vigilância. Mas temos um trabalho de parceria com a AENEBEIRA e com a empresa municipal e foi tudo programado para que seja mais um grande evento em Trancoso até domingo. O município, apesar das dificuldades financeiras que atravessa, orgulha-se de ter um cartaz que, na minha perspetiva, é excelente. Desde logo com uma novidade, a tenda eletrónica com muitos DJ’s que vai trazer muito juventude a Trancoso.
P – Atrair os jovens com esses espetáculos é uma forma de revitalizar a feira, que decorre numa região envelhecida?
R – Naturalmente que sim. Trancoso é sinónimo de feiras e mercados, é uma terra de muitas potencialidades e obviamente que não nos esquecemos da juventude porque o objetivo deste município é fixar os jovens. Estamos também a fazer um esforço muito grande na tentativa de fixar os jovens, atrair investimento e procurar o desenvolvimento económico e social do concelho.
P – Outra novidade será a tentativa de revitalização do mercado do gado, uma iniciativa que já foi de grande importância para Trancoso. Como vão fazer, será que ainda há produtores?
R – Essa foi sempre uma promessa eleitoral minha, pois confesso que assisti com tristeza e mágoa ao desprezo que foi dado ao setor primário e da agro-pecuária durante muitos anos neste território, foram décadas de abandono. Creio que é importante inverter essa tendência, até porque o concelho de Trancoso sempre foi muito forte na agro-pecuária, na criação de animais. Na Feira de São Bartolomeu de há 20/30 anos toda a gente se recorda que vinha gente para comprar e vender animais…
P – Mas houve esse definhar, será que ainda há produtores?
R – Estamos a fazer um levantamento. Sei que há no concelho cerca de 1.500 bovinos e portanto as nossas expetativas de lançar esta primeira mostra no mercado do gado, no dia 24 – um espaço que estava completamente abandonado e que está a ser recuperado – são boas. Temos ainda alguns funcionários do município no terreno a trabalhar para que essa exposição seja de facto um sucesso e vai valer a pena.
P – Será uma mostra para repetir porque acredita que, no futuro, será possível que os criadores voltem a vender gado em Trancoso?
R – Acredito sinceramente e o município estará aqui para fazer tudo o que seja necessário para voltar a por em funcionamento, de forma alargada, o mercado do gado – que acontece às sextas-feiras, mas de forma reduzida. Portanto, no domingo vamos ter ali ovinos, caprinos, bovinos e equídios e vamos fazer também uma grande festa com todos os criadores de gado do concelho.
P – Trancoso é um concelho de muita emigração, nesta altura de São Bartolomeu é também um motivo de atração para os portugueses da diáspora virem à cidade. Acredita que continua a ser assim e que os emigrantes da região são despertados para virem para Trancoso nestes dias?
R – Quem está longe gosta sempre de regressar à sua terra e nós também temos que fazer este esforço de os receber bem e é com muito agrado que nesta altura do ano, na Feira de São Bartolomeu, recebemos tantos dos nossos emigrantes. Mas também fazemos um esforço para ir de encontro aos seus interesses e estarmos com eles na feira, e creio que estes nove dias serão uma ótima oportunidade para nos reencontrarmos e convivermos com os emigrantes porque eles são extremamente importantes em termos económicos, sociais e pelo investimento que fazem aqui. A nossa esperança é que eles voltem definitivamente um dia e, para tal, vamos criar-lhes as condições necessárias a esse regresso.
P – O município já fez, já pensou ou quer vir a fazer alguma coisa no sentido de conseguir que as poupanças dos portugueses da diáspora e que os empresários emigrados possam vir a ser investidores neste concelho, criando riqueza e postos de trabalho?
R – Um grande objetivo para este mandato é criar condições para que as pessoas aqui possam viver. Trancoso é uma terra com excelentes potencialidades, desde a sua localização geográfica, o seu património histórico e cultural, o parque, a barragem da Teja. Ou seja, temos potencialidades, mas há coisas únicas e se o município for, de facto, um verdadeiro motor de arranque e procurar dar essa esperança às pessoas de que vale a pena investir aqui, nós estaremos cá, porque a nossa preocupação é precisamente criar postos de trabalho, riqueza e ajudar os empresários a fixar-se e a investir em Trancoso. Tenho dito que muito mais importante que uma calçada ou um jardim é a criação de emprego e aí contem com o município para apoiar emigrantes e empresários, estamos aqui de braços abertos para os receber.
P – Como está a situação financeira do município? Já terá um levantamento, ainda que porventura não exaustivo, da realidade atual das contas, quanto deve neste momento a Câmara de Trancoso?
R – Essa é a grande preocupação deste executivo. Nós herdámos uma situação muito pesada. O endividamento é monstruoso, ou seja, para além dos 12,3 milhões de euros que constam no portal da transparência dos municípios, que já era muito, há uma outra dívida muito, muito significativa da ordem dos 9 milhões de euros e que resulta da parceria público-privada para a construção de apenas três equipamentos: a construção da central de camionagem com custos de 2,6 milhões de euros, a requalificação do campo da feira que custou 3,3 milhões de euros e ainda um equipamento em Vila Franca das Naves com 1,8 milhões, tudo isto sem qualquer financiamento e sem criar um único posto de trabalho. O campo da feira mais não é que um mero parque de estacionamento durante grande parte do ano com meia dúzia de viaturas e essa parceria público-privada custa, por dia, 1.100 euros ao município até 2034. Veja a situação pesada que resulta desse negócio!
P – Acha que o município vai estar hipotecado durante 20 anos por causa dessa parceria público-privada?
R – Não tenho qualquer dúvida. Não conheço nenhum município do interior, pequeno como o nosso, com uma parceria deste género. Mas há mais, são cerca de 15 obras que estão no terreno há cinco/ seis anos sem qualquer procedimento, sem qualquer ajuste ou contrato e sem ter garantido o seu financiamento. É uma situação impensável. Como é que o município pode pagar esse dinheiro? É o caso, por exemplo, das obras de saneamento básico no Vale de Mouro, Esporões, os passeios na envolvente da Caixa Geral de Depósitos, a intervenção na antiga escola do primeiro ciclo de Trancoso, onde já foram gastos mais de 120 mil euros. No total, são mais cerca de dois milhões de euros. Ou seja, a dívida é muito superior aos 12,3 milhões e rondará os 22 milhões, é um número monstruoso. Mas para além dessa dívida, como se isso não bastasse, o grande problema que revela uma total irresponsabilidade de quem governa, as obras urgentes que era necessário, o que era básico termos hoje, não foram feitas. Por exemplo, a recuperação dos Paços do Concelho não foi feita. Não há nenhuma Câmara do país tão degradada. Como é possível arrumar uma casa quando a primeira coisa a fazer é sair do edifício e procurar outra solução? E a praça municipal? Isto sim, eram obras básicas.
P – Quanto aos Paços do Concelho, há algum projeto para requalificar o edifício, há financiamento? Como pode resolver o problema?
R – É uma grande preocupação deste executivo, até para criar melhores condições de trabalho, de funcionalidade. Já há um projeto, que ronda os 700 mil euros, mas agora estamos esperançados no próximo quadro comunitário. Aliás, há um conjunto de projetos, como a praça e os Paços do Concelho, para os quais temos que procurar financiamento. No caso do Palácio Ducal é preciso primeiro adquirir o imóvel porque também muito dinheiro foi esbanjado com projetos em coisas que nem eram sequer do município. Connosco só elaboraremos projetos quando tivermos terrenos ou nos imóveis que sejam do município, não cometeremos loucuras.
P – Não vai aproveitar o projeto de Gonçalo Byrne para o Palácio Ducal?
R – Sim, a maior parte dos projetos – e são muitos – foram elaborados e não passaram daí. Há quantos anos ouvimos falar do Centro de Interpretação da Batalha de São Marcos, os museus dedicado à pintora Eduarda Lapa, do Design do Tempo e o da Cidade. Andámos dez anos a viver de ilusões, a prometer museus quando, de facto, o único museu que temos é o restaurante, onde se come muito bem.
P – Já pegaram nalguns desses projetos ou acha que não faz sentido?
R – Não faz sentido. Trancoso é uma terra com um património invejável e o que faz sentido é apostarmos na cultura, na arte, e por isso este executivo também está atento a esse aspeto porque são muitos os turistas que visitam Trancoso. De resto, temos também o turismo religioso com a procura e o interesse da comunidade judaica internacional em conhecer as marcas da antiga judiaria, um núcleo histórico que importa preservar. Mas também estamos a procurar atrair turistas para outros pontos do concelho, como a albufeira da barragem da Teja ou Moreira de Rei. Queremos ter vários pontos de interesse.
P – O município tem algum projeto para reabilitar a praça municipal?
R – Tem. O mercado municipal é extremamente importante porque às sextas-feiras gente dos concelhos limítrofes, como Penedono, Aguiar da Beira, Mêda, Pinhel, Celorico e Fornos de Algodres, vem à feira semanal de Trancoso. No entanto, aquela também é uma praça que nos envergonha e o município tem um projeto realizado pelos nossos serviços técnicos, num valor estimado em 500 mil euros, e não tenho dúvidas que vai se comparticipado no novo quadro comunitário. Creio que, provavelmente, no próximo Verão estaremos em obra ou teremos a reabilitação do mercado pronta, pois espero que a empreitada possa arrancar até ao final do ano. É um dos projetos mais prioritários para a Câmara Municipal.
P – Teoricamente, essa será a primeira obra do novo executivo de Trancoso, onde a atividade económica associada às feiras tem muita importância?
R – Com certeza que é de extrema importância porque até o próprio mercado municipal acabaria por se financiar a si próprio. O município recebe uma taxa significativa dos feirantes, portanto faz todo o sentido que esta fosse uma obra prioritária há dez anos em vez de outro tipo de intervenções onde se esbanjou muito dinheiro. A praça sim é um projeto importante e estruturante para Trancoso e para a sua atividade económica.
P – A nível económico, além da praça, temos no concelho duas áreas industriais, em Trancoso e Vila Franca das Naves. Como é que a Câmara pode alavancar a instalação de mais unidades naquelas áreas?
R – Estamos atentos e temos reunido com os empresários do concelho – já fizemos duas reuniões ao pequeno almoço – porque essas áreas são projetos extremamente importantes, nomeadamente em Vila Franca das Naves. Ali já há algumas empresas a laborar mas sem qualquer tipo de infraestrutura, portanto, é um projeto que estamos a fazer e que não duvido que será financiado. Em Trancoso o município adquiriu, em 2007, um terreno com cerca de quatro hectares que é necessário agora infraestruturar para ali criar um novo parque industrial. Mas naturalmente que estes projetos só avançarão se conseguirmos que estes projetos venham a ser comparticipados no próximo quadro comunitário.
P – Trancoso tem uma ligação ao IP2, via que ainda não é portajada. Acredita que vai continuar a ser assim?
R – Acredito. Temos vivido tempos muito difíceis, sobretudo no interior por causa das portagens e do encerramento de serviços públicos. Este executivo será sempre contra o encerramento de escolas, de tribunais ou de repartições públicas. Não tenho dúvida que foi a introdução de portagens na A23 e A25 que penalizou muito os empresários e o desenvolvimento desta região, foi uma machadada tremenda no interior. Trancoso tem uma localização excelente, pois está na confluência de várias vias regionais importantes, pelo que estamos bem servidos de acessibilidades com ligação em autoestrada para Lisboa, Porto e Madrid.
P – Já os cerca de quatro quilómetros de acesso da cidade ao IP2 são um empecilho. Tem prevista alguma intervenção neste troço?
R – Pena é que as redes viárias não estejam contempladas no próximo quadro comunitário, mas também já temos um projeto elaborado para a recuperação e reabilitação do troço entre o Chafariz do Vento e a Lactovil, que é uma estrada que está bastante degradada. Pena é que não tivesse sido incluída no quadro comunitário anterior.
P – Para o próximo quadro comunitário já referiu três ou quatro obras que espera ver apoiadas, qual vai ser a estratégia do município para tirar partido desses apoios? Há mais ideias que possam ser enquadradas?
R – Temos cinco setores onde vamos fazer uma aposta forte. São eles os parques industriais e o setor agro-precuário, para além do comércio, do turismo e dos serviços. Vamos aproveitar a albufeira da Teja, criar o Centro de Interpretação da Batalha de São Marcos, um projeto que foi muito falado durante décadas mas que nunca se avançou apesar do planalto de São Marcos poder vir a ser um grande ponto de atração turística. Só criando riqueza e postos de trabalho é que conseguiremos fixar as pessoas em Trancoso.
P – Há escolas a fechar constantemente nos concelhos do interior. Qual é a realidade do concelho de Trancoso?
R – Somos um concelho com uma área muito grande, cerca de 364 quilómetros quadrados, e só já temos cinco escolas na Cogula, Vila Franca das Naves, Freches, Trancoso e Palhais/Reboleiro. Neste momento, em termos de rede escolar, não podíamos permitir que encerrasse nenhuma destas escolas. De resto, considero que não devem fechar escolas com mais de 10/12 alunos e em localidades com motivos fortes que justifiquem a manutenção, por isso entendo que o Governo devia rever os critérios. Em reuniões com a diretora regional do Centro alertámos para a situação da Cogula e de Freches porque são duas freguesias que já recebem alunos de outras freguesias e são terras com uma grande dinâmica, onde há algumas infraestruturas e empresas, portanto justifica-se plenamente a sua manutenção. É obrigação do município defender os territórios e as suas comunidades e tudo faremos para que essas escolas se mantenham. Já na zona de Palhais e Reboleiro até pensamos ser necessário criar um pequeno centro escolar, isto porque ali funcionam dois jardins de infância e duas salas do pré-escolar sem grandes condições, pelo que fazia todo o sentido que houvesse uma estrutura física que recebesse todos esses alunos no mesmo espaço.
P – Trancoso tem uma escola profissional com alguma tradição, o município tem responsabilidades diretas e indiretas na sua gestão. Como está hoje a EPT e como perspetiva a sua continuidade?
R – À semelhança do que encontrámos no município, a Escola Profissional de Trancoso também tem alguns problemas de endividamento. Quando os novos corpos sociais tomaram posse havia uma dívida na ordem dos 750 mil euros. Claro que essa situação é preocupante, mas o município e a direção da escola estão a fazer um esforço muito grande na tentativa de continuar a captar mais alunos por forma a que a EPT volte a ter o protagonismo que teve noutros tempos. Sei que há nove turmas e mais cerca de quinze alunos relativamente ao ano interior que se matricularam para o próximo ano letivo, tudo isso nos leva a crer que possamos voltar a dar ainda mais algum dinamismo à EPT, que é extremamente importante e uma mais-valia para Trancoso, pelo que o município estará atento e quererá ser um parceiro para ajudar a escola.
P – O que gostava de ver acontecer em Trancoso neste mandato?
R – Além do reequilíbrio da situação financeira do município e da diminuição do endividamento, como sempre prometi, gostaria que conseguíssemos efetivamente resolver problemas básicos como a requalificação da praça, dos Paços do Concelho e intervenções nalgumas estações de tratamento e condutas de água. Depois disso, a nossa aposta é na criação de riqueza e de postos de trabalho para conseguirmos inverter o esvaziamento e envelhecimento das nossas aldeias. Vamos também praticar uma política de rigor, clareza e de proximidade com a população. Hoje, os trancosenses sabem que têm uma Câmara aberta, que lhes fala verdade e os recebe para ajudar a resolver os seus problemas, e isso é uma forma diferente de fazer política relativamente ao passado.
P – Essa é a perspetiva do presidente da Câmara, qual é a do cidadão Amílcar Salvador? O que gostaria que acontecesse nos próximos anos?
R – Que todas as pessoas gostem de Trancoso tal e qual eu gosto. Trancoso é uma terra bonita, um concelho excelente onde vale a pena viver, pois estamos atentos a todos os setores, dos jovens aos empresários e aos idosos. O que queria, como cidadão, é que as pessoas consigam viver bem e que nenhum idoso aqui viva isolado, que ninguém seja marginalizado ou perseguido. O mais importante, o melhor património que temos, são as pessoas.
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