No centenário do nascimento de Álvaro Cunhal decorrem até ao fim do ano inúmeras conferências, colóquios, exposições, evocativas da vida e obra dessa figura ímpar, Secretário-Geral do Partido Comunista durante 57 anos (1935 – 1992).
Visitei, na passada semana, a exposição que está patente ao público, no Centro Cultural de Celorico da Beira. Ontem, numa louvável iniciativa da Escola Secundária C+S Sacadura Cabral, Manuel Rodrigues, membro da Comissão das Comemorações e também do Comité Central do Partido Comunista Português, teve oportunidade de falar e esclarecer os alunos acerca do pensamento político e o percurso artístico e literário de Cunhal.
No dia 30 de janeiro de 1988, o PCP inaugura o Centro de Trabalho de Seia, tendo como convidado de honra o seu Secretário-Geral. Um mês antes tinha feito um pedido, junto da organização do PC, para efetuar uma entrevista a Álvaro Cunhal, em exclusivo, para o programa que realizava na Rádio Altitude “Clube da Tarde”, aos sábados das 13 às 14 horas, mesmo sabendo da dificuldade que o líder comunista colocava em conceder entrevistas. Dias mais tarde foi-me confirmada a entrevista. Fiquei, como não podia deixar de ser, satisfeitíssimo.
Cheguei cedo a Seia. Entrei na novíssima sede do PC e entre cumprimentos a militantes lá estava Álvaro Cunhal. Foi-me apresentado e seguimos imediatamente, só os dois, para uma sala. Cunhal, após a inauguração, seguia para Lisboa. Sentamo-nos, ele de um lado, eu do outro, num verdadeiro frente-a-frente, só separados pelo espaço de uma pequena mesa. Mesmo com a experiência acumulada, de quem anda neste mundo dos media, tenho de confessar que senti algum “nervoso miudinho”. Cunhal, seguro de si, dono de um semblante distinto, de sobrancelha carregada e olhar perspicaz, respondeu a uma, duas, três, eu sei lá a uma infinidade de perguntas ao longo de uns larguíssimos 45 minutos. Falou-me de política, na correlação de forças, na luta dos trabalhadores num contexto do governo de maioria absoluta do PSD, liderado por Cavaco Silva, falou-me de Seia, da serra, das origens, da sua infância, do seu pai, Avelino Cunhal, Governador Civil da Guarda na 1ª República, do gosto que tinha, em revisitar a terra dos seus antepassados. Terminada a entrevista, desliguei o gravador, selou-se o encontro com um agradecimento e um aperto de mão, aceitando o amável convite para a cerimónia da inauguração da sede.
A história que hoje Vos trago poderia muito bem terminar aqui. O facto é que assim não foi. Cerca de ano e meio depois, encontro Álvaro Cunhal numa cerimónia pública, iniciativa do PC em Lisboa. Cumprimentou-me. Pensei para os meus botões “não se irá recordar de mim”. Olhou-me fixamente e perguntou “por acaso não nos conhecemos?”. Respondi que sim, esperando ver se, eventualmente, ele se lembraria de mim. Cunhal demorou alguns segundos, sorriu e disse “É de Seia. Foi na inauguração do Centro de trabalho”. Despedimo-nos, desejou-me felicidades. E foi até sempre.
O relato desta minha história e dos breves momentos que estive com Álvaro Cunhal, jamais os esquecerei, e esta crónica é a minha singela homenagem à inteligência, coerência, ao Homem de princípios e valores, a um dos vultos, do mais insigne do século XX.
Álvaro Cunhal tinha uma certeza. O ideal nunca morre. Transmite-se de geração em geração. A luta contra a miséria, a opressão e o obscurantismo tem de ser uma constante. A utópica revolução, por mais progressos que faça, jamais será cumprida. É talvez por isso que Manuel Tiago apenas nos podia deixar a única mensagem possível “Até amanhã camaradas”.
Por: Albino Bárbara