Arquivo

Alívio e preocupação

Opinião

É com um sentimento misto de alívio e de preocupação que encaro os resultados das eleições legislativas antecipadas de domingo passado.

Alívio, porque o país se viu livre, pelo menos para os tempos mais próximos, de um governo e de uma coligação que representavam um perigo real para o próprio regime democrático, uma espécie de autoritarismo de direita com vestes populistas, que estava a fazer o seu caminho e cuja manifestação mais visível era, para já, a perseguição selectiva e a tentativa de silenciamento e de «assassinato» cívico e político de quem quer que pudesse constituir um obstáculo ao seu projecto político, acção essa aparentemente conduzida de uma forma metódica e organizada, através da utilização de «centrais de informação» e das próprias instituições do Estado de direito.

Mas há também razões para preocupação relativamente aos resultados do sufrágio eleitoral, pela simples razão de que não existe quase nada, no discurso oficial e no programa eleitoral do PS, que constitua uma demarcação e uma ruptura claras com o que foi a política e a prática tão negativas dos governos PSD/CDS, designadamente no plano económico e no plano social – a mesma ausência de um plano estratégico de desenvolvimento do país, a mesma «naturalização» dos «sacrifícios» a serem impostos apenas e só àqueles que são já sacrificados, a mesma atitude de subserviência relativamente às organizações internacionais de que o país faz parte.

Se tivéssemos de resumir numa simples frase o programa eleitoral com que o PS venceu as eleições, essa frase seria, ironicamente, o objectivo «cavaquista» de fazer de Portugal um «bom aluno» da União Europeia.

Na verdade, quem se der ao trabalho de ler o programa eleitoral do PS e também os documentos preparatórios da próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, que tem por objectivo fazer o balanço e relançar a chamada «estratégia de Lisboa», elaborados sob a égide da Comissão Europeia, verificará que o dito programa eleitoral do PS se limita a ser, nos seus pontos fundamentais, uma transposição e uma adaptação das orientações e propostas contidas naqueles documentos da UE. Ora, sucede que, para além dos aspectos potencialmente positivos que se queiram encontrar na mencionada «estratégia de Lisboa» e nas propostas para o seu relançamento, esta mesma «estratégia de Lisboa» consubstancia, acima de tudo, um gigantesco programa de competição intra-europeia, com a correspondente concentração de recursos financeiros, humanos, científicos e tecnológicos em alguns «pólos de excelência» à escala da UE, tudo tendo como objectivo fazer com que a mesma UE se torne, até 2010, «a mais dinâmica e competitiva economia do conhecimento a nível mundial».

Assim, colocar o país numa mera atitude de «bom aluno» da UE, no quadro da «estratégia de Lisboa», parece ser uma atitude suicida e potencialmente ainda mais negativa do que o foi no passado, pela simples razão de que hoje o país está mais pobre e dispõe, em termos relativos no contexto europeu, de uma estrutura produtiva, tecnológica, educacional e científica ainda mais debilitada do que o era há uma década atrás.

Não há com efeito, em meu entender, «fé» e «confiança» que resistam ao funcionamento do «livre jogo do mercado» nas presentes circunstâncias, tornando-se, isso sim, indispensável a existência de um poder político firme e ousado, decidido a mobilizar a inteligência, o coração, a energia e a vontade da população que trabalha e que produz, que promova o emprego e a qualificação dessa população e que saiba transmitir sinais claros e inequívocos de que nenhum grupo populacional, nenhum sector da economia, nenhuma região do país serão considerados supérfluos ou de menor importância no enorme esforço que é preciso desenvolver para ultrapassar a presente crise.

Deixado à vontade, no conforto aparente da sua maioria absoluta, o futuro governo de José Sócrates não estará, com toda a probabilidade, à altura dos presentes desafios. É por isso que o caminho, de agora em diante, sendo de trabalho é também de luta, sob pena de que a emenda do passado dia vinte se venha a revelar ainda pior do que o soneto dos últimos três anos.

Leopoldo Mesquita,

Dirigente do PCTP/MRPP

Sobre o autor

Leave a Reply