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Ainda a propósito do 10 de Junho

Entrementes

Mário Soares, goste-se ou não da pessoa, concorde-se ou não com as suas opções políticas, foi e é uma referência do regime democrático em Portugal. Ora, foi esse mesmo Mário Soares que, em tempos idos, chamou a atenção para o direito à indignação dos cidadãos a viverem num país livre e democrático.

Vem isto a propósito da manifestação de sindicalistas aquando do discurso do Senhor Presidente da República, na Guarda, no passado 10 de junho.

Não sou daqueles que embarco na opinião da existência de uma relação de causa efeito entre a ação de protesto levada a cabo por umas dezenas de sindicalistas ululantes e o desmaio (ou algo parecido) do primeiro magistrado da Nação. Por outro lado, sou também insuspeito dado que já participei, e disso me orgulho, em manifestações quando concordei com o que lhes estava por detrás, fossem ou não questões profissionais.

No entanto, e apesar de apenas ter visto imagens televisivas do acontecido, parece-me descabido o momento escolhido para a ação de protesto levada a cabo. Percebo que haja cidadãos revoltados, quando não desesperados, com a condição a que sucessivos governantes os conduziram. Percebo, e sei de fonte segura que os há, que existam casos de pais e mães que não sabem o que pôr na mesa para que os filhos possam comer. Percebo que o agudizar destas situações leve a ações desesperadas para chamar a atenção de quem tem o dever de zelar pela população do seu país. Para tal foram eleitos.

Todavia, apesar deste meu convencimento, continuo a crer que esta ação é bem a demonstração do velho aforismo popular que, metaforicamente, afirma que se virou o feitiço contra o feiticeiro. Ainda por cima quando um dos rostos mais conhecidos do sindicalismo português, Mário Nogueira, estava entre os manifestantes e foi repetidamente filmado. Tal levou a que entre a população passasse a mensagem de que quem ali estava em protesto eram os professores, dado que ali viam um dos líderes de um dos sindicatos mais representativos da classe. E, se assim era, como parecia, o bom do cidadão foi levado a concluir que os malandros dos senhores professores não sabiam avaliar o melhor momento para protestar e o faziam numa altura imprópria dando, com essa atitude, um péssimo exemplo aos seus alunos.

Acontece que não era assim. Não era uma ação desencadeada pela organização sindical dos professores. No entanto, até por diversos comentários que fui ouvindo ao longo destes dias, foi assim entendida pelo comum dos cidadãos. Ora, se assim foi, então a ação resultou precisamente ao contrário do pretendido. Isto quando, logo a seguir, o senhor presidente se sentiu indisposto ao ponto de ter sido necessário recorrer a assistência médica.

Desta vez, e pese embora os longos anos que tem na luta pela defesa dos direitos da classe docente (na qual me incluo), Mário Nogueira prestou-lhe um mau serviço tornando-os vilões quando o não eram.

Tal como Mário Soares, continuo a pensar que todos temos o direito de nos insurgir contra medidas que consideramos lesivas para a nossa condição de cidadãos livres. Penso também que essa condição de liberdade nos deve conduzir a uma muito maior responsabilidade na manifestação desse desagrado.

Bem se pode dizer com propriedade que, estando-se a meio de uma parada militar, aos manifestantes saiu o tiro pela culatra.

Por: Norberto Gonçalves

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