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Agricultor

observatório de ornitorrincos

A agricultura é um trabalho caído em desuso – cerca de três quartos das pessoas que trabalhavam no sector primário foram reconvertidas para outros sectores de actividade, como a indústria, os serviços e os subsídios. No entanto, a diminuição da quantidade de trabalhadores não levou a agricultura à extinção nem à decadência. Hoje é uma profissão jovem e glamorosa. A modernização tecnológica dos nossos lavradores é disso prova. Em vez das antigas charruas, os agricultores estão equipados com os últimos modelos dos jipes da BMW e da Mercedes. Podem não ser o utensílio ideal para a lavra da terra, mas são muito mais cómodos para as tarefas fundamentais de um agricultor europeu, tais como viajar até às reuniões do clube de caça num monte alentejano.

Claro que há também agricultores que em vez de jipes percorrem as estradas em motas Famel Zundapp e carrinhas de caixa aberta. Estes, em vez de um título (senhor doutor) e dois apelidos (Menezes de Vasconcelos), têm apenas um nome próprio (António) ou muitas vezes nem sequer isso (Tó). No máximo, têm direito a adjectivação própria (o Marreco) ou, em casos de maior respeito, a serem substantivados (o Sachola). Mas estes são os agricultores com propriedades tão pequenas que uma apanha da azeitona com o Fernando Mendes e a Heloísa Miranda provocaria invasão da terra do vizinho. Os pequenos agricultores são habitualmente tão férteis na produção agrícola como na criação de prole infantil. No fim das suas vidas dividem os terrenos pelos descendentes, deixando a cada um parcelas agrícolas de tamanho equivalente ao de uma sala de estar de um T1 lisboeta.

Quem queira dedicar-se ao cultivo da terra, o governo e a União Europeia oferecem imensos incentivos à actividade agrícola, como cooperação para plantar árvores, formação científica para criação de animais e subsídios vários para não fazer nada. O único problema é para quem não dispõem de um pedaço de terra, que tem sérias dificuldades em justificar um pedido de alguns milhares de euros como compensação de não criar porcos na banheira ou deixar de plantar oliveiras no escritório. Mesmo um quintal de entulho pode não ser bastante para convencer as autoridades agrícolas que, caso não se receba os incentivos, podemos ali criar suficiente centeio para ultrapassar as quotas de produção nacional. É por isso que um candidato a agricultor deve ter, além de apelidos pomposos e um gosto por jipes caros, um terreno onde consiga produzir qualquer alimento pelo qual consiga obter mais dinheiro se o deitar fora do que se o vendesse no mercado ao sábado de manhã.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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