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Adolescência

Vidas

Tenho um problema. Do qual ainda não sei o grau de gravidade, mas é um problema.

Este problema faz-me pele da galinha, faz-me revirar os olhos, abanar a cabeça em negação e respirar fundo até 1725. O meu problema chama-se ADOLESCÊNCIA.

Tenho dificuldade em lidar com os Adolescentes. Quando estou com um, os meus sentidos ficam imediatamente em alerta. O meu corpo enrijece, o meu sorriso desvanece-se e, qual soldado de guerra, aguardo silenciosamente o ataque do inimigo.

Eu não queria ser assim, mas como a minha avó dizia “a gente não se faz”!

E antes que me comecem a apedrejar já, passo a expor um exemplo vivido há bem pouco tempo que corrobora o meu, digamos, estado de tensão face a esta problemática.

(Escolhi este exemplo, mas poderia ter escolhido qualquer outro, desde ver filhas a tratar as mães por parvas, a virarem as costas enquanto estas falam, a bater a porta do quarto com toda a força, enfim, haveria muito para contar mas deixo-vos com esta pérola).

Estava eu muito bem refasteladíssima no meu sofá, a ler qualquer coisa que já não me lembro, mas que até podia ser a bula de algum medicamento – que nada me escapa – quando começo a ouvir umas vozes alteradas que vinham da rua.

Assomei-me à janela e pronto… Lá estavam eles. Dois. Um rapaz e uma rapariga. Dos seus 18/20 anos. Ele dentro do carro, ela fora. De repente, ela diz-lhe (peço desculpa pela linguagem, mas tento reproduzir fielmente aquilo que ouvi): “És um cabrão, dá-me a minha carteira, seu cabrão”. Então ele acelera e vai-se embora levando a carteira dela. Ela chora. Fica ali de pé, sem se mexer. Inicialmente fiquei com pena e disse para mim “Coitada”. Deitei-me novamente no sofá, não ligando mais ao assunto, quando de repente, começo a ouvir novamente vozes. Pareciam-me as mesmas. Fui à janela, já não vi nada, mas continuava a ouvir vozes, altas, e ouvia-o a ele dizer “És uma merda, é o que tu és, uma merda”. Mau, isto vai dar molho, pensei. Tentei descobrir de onde vinham as vozes e quando dei por mim já estava empoleirada em cima da banheira, para conseguir chegar à janela da casa de banho e ver. Lá estavam eles.

– Mas o que é que tu estás aí a fazer?

– Ai que susto. Queres que caia, é? Estou a ver dois adolescentes parvos a chamarem-se nomes um ao outro. Põe-me aí o telefone, para, se for necessário, chamar a polícia.

– Polícia? Tu és mais doida do que eles, sai daí.

– Não vês que se podem bater… Acho que já faltou mais.

– Mas…

– Chiuuuu, que não consigo ouvir nada.

E eles continuavam numa grande discussão. O tema, claro está, era gravíssimo: basicamente, o rapaz estava muito chateado por ela não querer/poder sair até mais tarde. “Tenho de estudar” – dizia ela. “Mas que estudar, não sejas mentirosa que passaste a tarde inteira na biblioteca. São os teus paizinhos (em tom sarcástico) que não te deixam, não é? Mas que idade é que tu tens, minha? E não me digas que é a esta hora que te vais pôr a estudar! E para quê, não consegues nada, és uma merda”. Entretanto, ela continuava em explicações vãs, pois o rapazinho continuava a chamar-lhe nomes que o podiam fazer ir a Tribunal responder pelo crime de injúrias: “Vai-te f…”, “ Vai para a p…. que te p…..”, “és uma merda”, “não sei porque é que perco o meu tempo contigo”, “ agora é que acabou de vez”.

Quinze minutos depois:

– Ainda aí estás? Mas isso ainda não acabou?

Desci do “poleiro”, fechei a janela e, muito deprimida, fui contar tudo ao meu marido como uma criança que vai fazer queixinhas aos pais.

Ouvir aqueles dois preocupou-me mais do que me irritou, o que é grave. Não fiquei preocupada com eles, quero lá saber daqueles idiotas, principalmente ela, que se deixou enxovalhar daquela maneira quando o que devia ter feito era virar costas àquele malcriadão e nunca mais lhe dirigir a palavra, nem pôr-lhe a vista em cima. E quando estava a ouvir aquilo tudo, estava era com uma pena enorme de ser eu a estar ali e não a mãe dela.

Mas depois deprimi. E o meu marido ouviu-me quase uma hora em lamentações, de como é que isto é possível, tratarem-se daquela maneira, com aquela idade, a juventude de hoje está perdida, e as roupas, tu viste as roupas, o cabelo dele… E as filhas, será que algum dia na vida passariam por uma cena triste daquelas… É que não sei o que fazia…desancava-as certamente… Deixarem-se maltratar assim… Temos que estar muito atentos à sua educação, elas têm que ser pessoas com personalidade, não podem ter aquela fragilidade de espírito… Aquela falta de valores.

– 7 e 4 anos diz-te alguma coisa? É que é essa a idade das nossas filhas.

– Mas amanhã vão ter 17 e 14!

– Amanhã vão continuar com 7 e 4. Mas sim, um dia serão adolescentes.

– Aiiiiiiiiiiiii, não digas essa palavra maldita. Ainda por cima disseram-me, no outro dia, que nessas idades cheiram mal…

E entre risos e olhares cúmplices, chegamos à conclusão (quer dizer, ele chegou à conclusão) que seria melhor termos calma e não sermos tão pessimistas, que tudo correrá bem. A adolescência é uma fase importante na vida das pessoas que lhes permite errar para se tornarem adultos melhores e o mais reconfortante de tudo é que passa…

Será?

Por: Carla Freire

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