Nas povoações por onde passo à cadência de cada pedalada, observo sempre construções adiadas ou abandonadas e logo me assaltam pensamentos que agora vos exponho.
Essas vivendas de arquitetura “quatro paredes e telhado” que se ficaram pelos blocos de cimento, em muitas terrinhas encravadas no interior profundo e agora desertas, contam histórias que eu invento mas que podem bem ser reais: uma falência dos proprietários, uma mudança de ideias, uma emigração forçada, um desentendimento conjugal, um falecimento do futuro inquilino, um problema de partilhas, uma impossibilidade de legalização, etc. Muitas razões possíveis, mas sempre o mesmo desfecho – o abandono. A verdade é que as silvas que espreitam para o interior pelas janelas vazias, o musgo nas juntas dos blocos de cimento, as telhas partidas, a betoneira ferrugenta e os restos de materiais de construção á volta contam histórias de uma mudança de planos. Muito provavelmente ninguém mais lhes irá dar continuidade e ficarão “ad eternum” como testemunhos deprimentes de tempos longínquos em que a decadência financeira e populacional nessas localidades se instalou ou outra razão válida qualquer.
Mas também existem edificações que foram finalizadas e, entretanto, abandonadas. São exemplo disso as casas revestidas a marmorite verde e vermelha. Memórias bacocas do orgulho dos nossos emigrantes pelo país que os quis ver pelas costas, são o arquétipo da missão de cada emigrante do século passado: trabalhar para juntar dinheiro para fazer uma casa no local que os viu partir. Foi sempre, para eles, reconfortante ver as cores da bandeira de Portugal plasmadas nas casas que tantos sacrifícios pessoais lhes exigiram, ao regressarem após um ano de trabalho fora de portas. Mas no dealbar do século XXI esses regressos cheios de saudade começam a rarear quer seja pela morte por velhice ou doença desses emigrantes ou pela opção de gozarem as reformas nos países que os acolheram. Os que já não vêm ficam, porque os descendentes não se identificam com o país de origem dos seus progenitores e muito menos com uma aldeia perdida num monte onde o tempo parou ou porque os netos são agora a sua orgulhosa ocupação e vir à terrinha, perder tempo precioso, deixou de fazer sentido. Por isso, estas casas de arquitetura estrambólica estão a ficar reféns duma lenta e inexorável decadência. Contam histórias de abandono e no seu interior pontuam mobílias cheias de caruncho, com muito poucas horas de uso ao longo de décadas, e canalizações ferrugentas. Nas “abandonadas”, os aracnídeos que se esgueiraram pelas frinchas são os únicos inquilinos e estendem belíssimas construções de seda que dominam o espaço.
Outro tipo de “abandonadas” são as antigas escolas primárias. Aquelas que não tiveram a sorte de serem reconvertidas em sedes de juntas de freguesia ou de um qualquer clube de caça e pesca, são agora testemunhas silenciosas dos tempos áureos em que se desdobravam turmas porque a malta em idade escolar era na ordem das largas dezenas. Mas esses tempos acabaram há muito, os professores foram recolocados há muitos anos e os poucos jovens em idade escolar que ainda resistem nestes lugares reúnem-se agora em centros escolares a dezenas de quilómetros de casa, sendo obrigados a levantarem-se com as galinhas e a deitarem-se muito depois delas.
Por fim os polidesportivos à entrada de cada terra. Esses “baluartes da modernidade” e pujança juvenil que eram obra obrigatória para cada autarca que se prezasse, vêem-se agora esventrados pelas ervas, sujos e ferrugentos, cheios de saudades da juventude que muitos nem chegaram a ver. Rodeia-os um silêncio de morte e uma morte pela vegetação arbustiva e arbórea que acabará por tomá-los totalmente.
Todos estes abandonados têm um denominador comum: esperam por povo que já não volta. É a sina do interior num país bipolar e inclinado para o Atlântico. Agora que o distrito se prepara para perder mais um deputado, será menos uma voz potencialmente ativa para propor medidas, naquela “central de negócios” chamada Parlamento, de forma a tentar inverter esta situação. Será menos um a fazer pelo interior, menos um a remar contra a corrente, embora não me pareça que esses deputados da nação, muitos deles paraquedistas impostos pelas estruturas de Lisboa, alguma vez o tenham feito.
Por: José Carlos Lopes