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Abanar as bandeiras dos outros

Theatrum Mundi

Não há maneira de pôr as coisas de outra forma: a campanha eleitoral que se aproxima promete ser a mais dramática e violenta em muitos anos. E a mais longa, também, uma vez que antes de deixar o palácio de Belém, naquele fim de tarde de véspera de feriado nacional, Santana Lopes fez questão de dar o disparo de saída. Desde então, temos assistido à dramatização do episódio, com os dirigentes do PSD a seguirem a estratégia de Santana Lopes – a única que ainda parece ser capaz de fazer com que o partido reaja depois do estupor dos últimos quatro meses. De repente, a estratégia para o país desapareceu, a compostura prometida à saída de Belém desmoronou e só interessa agora provar que estavam todos contra ele desde o princípio e que a cabala não era propriamente involuntária (para utilizar a categoria mais que improvável do ministro Gomes da Silva). Enquanto Sampaio se escuda nas formas constitucionais para não falar antes de ouvir os partidos e o conselho de estado, o PSD já optou pela querela institucional, ainda que a não possa ou não queira assumir expressamente. Tanto dá; hoje que é sábado, a estratégia do PSD ficou bem delineada: apostando na falta de contraditório, é preciso insistir até à saciedade que tudo ia bem, que o governo governava, que a maioria era estável e, sobretudo, que o primeiro ministro exercia como tal. Se a memória da cidadnia é tão curta como se diz, até pode ser que por meados de Fevereiro estas inverdades (outro improvável conceito político da autoria de Gomes da Silva) já se tenham invertido e até pareçam a mais pura verdade. (Mas também, o que fica da verdade no léxico populista?)

Hoje mesmo, que é sábado, a campanha do PS também já está em marcha. Mas ao invés do que se passa no PSD, começamos a ter noção do que poderá vir a ser um programa de governo e uma estratégia para o país. Espero que não tenha sido apenas mais um momento televisivo, mas numa altura em que a luta política promete alcançar níveis de degradação insuspeitos, em que as máquinas partidárias se preparam para entrar em frenesim, em que o abanar das bandeiras depressa vai fazer esquecer qualquer ideia para o país, é um sinal de esperança que, em conferência de imprensa, António Vitorino tenha dado início à campanha apontando os problemas da interioridade e a justiça regional como prioridades para um próximo governo PS. Mas sobretudo, é indispensável exigir que de uma vez estas palavras sejam levadas a sério e assumidas como imperativo nacional. Seja qual for o partido que venha a ganha as eleições. Este é o momento decisivo, e já não bastam as proclamações solenes. Depressa virão as hordas de funcionários à procura dos votos que ainda há para distribuir nos diferentes interiores, e este é o momento decisivo para exigir decência, compromisso, sentido de estado. Face à campanha a que estamos prestes a assistir, face às fugas para a frente e às estratégias instrumentais e vazias das máquinas partidárias, é responsabilidade da cidadania exigir um projecto mobilizador para o país. É responsabilidade do interior fazer-se ouvir com voz própria e não se limitar a abanar as bandeiras dos outros.

Por: Marcos Farias Ferreira

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