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À volta dos números do TMG

Pois, Pois

Em Portugal, e muito em especial na Guarda, sempre que se fala de alguma questão relacionada com política cultural vocifera-se muito sobre “cultura” e muito raramente se fala de política. Se se falasse de política, o que qualquer cidadão responsável deveria pedir em primeiro lugar era boas contas. Infelizmente, quando alguém se atreve a este exercício de cidadania, aparecem logo vários “produtores de cultura” de pistola na mão a descarregar todos os insultos do mundo sobre o pobre desgraçado, insultos que vão desde os mais benevolentes “neoliberal” e “contabilista” até aos mais ofensivos (e ridículos) “fascista” e “neo-nazi”. Esta berraria, com cobertura mediática assegurada, produz quase sempre o efeito pretendido, à capa do terror e tremor que a palavra “cultura” inspira nos mais ingénuos. Todavia, nada disto consegue encobrir uma verdade básica: a política começa no dinheiro – que é escasso e, por isso, obriga a que se definam prioridades – e é por aí que se deve começar a conversa. Mais, não se deve nunca perder de vista o fundamento do Estado democrático: o essencial privilégio dos contribuintes de exigir que não se gaste o dinheiro contra a sua vontade.

Dito isto, congratulo-me com a resposta civilizada do TMG, publicada nesta edição, e em que contesta os números que aqui apresentei há quinze dias – já lá vamos. É bom sinal que haja essa preocupação de esclarecer os cidadãos e que se pratique uma política, transparente, de prestação de contas à comunidade, que pode até servir (quem sabe?) de exemplo a outras instituições públicas que infelizmente não têm esse hábito. Vamos então aos números.

Comecemos pelos funcionários. Ao contrário do que afirmam na resposta, é claro que se podem fazer comparações com outros teatros municipais – incluindo a Casa das Artes de Famalicão –, pois todos têm mais ou menos o mesmo formato e todos têm uma programação regular. De qualquer maneira, o essencial desta questão é que os actuais custos com o pessoal do TMG absorvem a quase totalidade do Orçamento. Por outras palavras, se não são a mais para as “necessidades” da casa, são a mais para as suas possibilidades – e, já agora, se a Culturguarda só tem 31 funcionários, quem é que paga os salários às 12 pessoas identificadas como “colaboradores” na ficha técnica do TMG? É a Culturguarda? Ou é a Câmara?

Em relação à verba anual atribuída pela autarquia de Braga ao Theatro Circo, citam o seu Vice-presidente numa entrevista (que desconheço) ao Jornal de Notícias em 20 de Outubro. Só que no dia 28 do mesmo mês o presidente Mesquita Machado (jornal Público) declarou que a verba anual seria de 500 mil euros, com o objectivo que fosse diminuindo gradualmente à medida que fosse sendo substituída por verbas do mecenato. Mais esclarecedor: como mostrava o Público de sábado passado, numa análise comparativa de vários teatros municipais do país, a Câmara da Guarda é uma das que fazem maior esforço financeiro com este tipo de equipamentos – em 2004, o orçamento para a cultura da Câmara da Guarda foi 19 vezes superior ao da Câmara do Porto, o que também, admito, não abona muito a favor da autarquia portuense!

Resta a questão dos convites. Mesquita Machado, antes da reinauguração do Theatro Circo em 27 de Outubro, advertiu que não queria “casas cheias e bilheteiras vazias”. Por isso, tirando o dia da inauguração, não haveria mais convites para ninguém, e ele próprio daria o exemplo comprando os seus bilhetes. Esta atitude, que pode ser residual em termos financeiros, vale essencialmente pelo seu simbolismo. Por que motivo os senhores vereadores da Guarda, que ganham bastante acima da média, têm direito a convites? E os funcionários, a que propósito? Isto, além de imoral, é uma receita a menos, é um custo a mais (o TMG paga o IVA dos convites) e distorce inclusive as taxas de ocupação dos espectáculos – que, mesmo assim, são relativamente baixas: 44%. O mesmo, embora menos grave, se aplica à política de descontos: por que carga de água os funcionários da Câmara têm 30% de desconto? O TMG é da Comunidade, não é da Câmara.

Mas o mais importante de tudo, como sublinhava Crespo de Carvalho nas páginas deste jornal, é que haja, de facto, gestão, coisa que até agora não se tem visto. Com objectivos (financeiros e não financeiros) quantificados e bem definidos no tempo e, claro, com estratégias para os alcançar, estratégias em que se deve conciliar o rigor no controlo dos custos com uma política de diferenciação, que torne o TMG único no panorama nacional. Como guardense, é esse o meu sincero desejo.

Por: José Carlos Alexandre

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