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A tragédia mora aqui ao lado

Editorial

Como tantos outros já disseram, repetidas vezes, não há rigorosamente nada de novo!

Perante a tragédia de Pedrógão Grande, consternados e tristes, todos temos alguma coisa a dizer… Ano após ano, incêndio depois de incêndio, todos temos uma palavra para lamentar e uma reflexão para explicar o inexplicável. Já tudo foi escrito, estudado, ilustrado, comentado. Há 30 ou 40 anos que é assim! Mas, apagado o fogo, a vida continua e nada muda, como se nada tivesse que mudar.

Todos os anos o fogo espalha o terror, a morte e a destruição pelas nossas serras, pelos campos abandonados, pelo país esquecido.

Em Famalicão da Serra, há 11 anos, morreram seis bombeiros – depois disso, é verdade, construiu-se um novo quartel de bombeiros – mas a Serra continua uma manta de retalhos, sem ordenamento, sem limpeza e sem futuro, apesar do esforço do Parque Natural, dos Amigos e de todos os que todos os anos combatem o fogo e defendem a natureza. Porque sem um plano de fundo, sem uma opção estratégica definida, integrada e séria nada muda na floresta ou no país. Diz-se agora que somos maus a agir mas que somos bons a reagir. Diz-se… mas até agora reagimos sempre pelo lado emocional, solidários e dedicados, determinados mesmo, mas quando temos de assumir a mudança, a exigência e a planificação nada fazemos.

Durante anos vimos entes queridos morrer no fogo, perecer perante o flagelo, chorar perante o desconsolo de perder tudo em segundos. E vimos como facilmente, passadas as labaredas, os estudos voltam para as gavetas e ficam meia-dúzia de tontos a pregar no deserto. Houve comissões para tudo e houve milhões para gastar no combate ao fogo, mas faltou sempre o investimento na natureza durante o resto do ano, no ordenamento, talvez na expropriação de uma floresta que é privada mas está abandonada, no país que fica longe de Lisboa – e tudo o que está a mais de 50 quilómetros de Lisboa… não existe! Por isso, tudo continua a falhar, tudo, há dezenas de anos! Mais de um terço do país foi deixado para trás, mais de um terço do país foi sendo adiado. E se é verdade que houve uma conjugação de fatores adversos extraordinária em Pedrógão Grande, que não devemos negar nem escamotear, o barril de pólvora em que se transformou o Pinhal Interior (cheio de eucaliptos e pinheiros) e o despovoamento de todo o interior, levam a que um terço do país viva sobressaltado, enquanto o futuro vai sendo adiado.

Por isso, não há nada de novo. Ou há: morreram 64 pessoas em Pedrógão Grande.

Luis Baptista-Martins

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