Arquivo

A terra dos reis pastores

À sombra da serra, nesta região da Alta Beira, que parece, ao contrário do que reza a história, ter sido pouco apetecível aos castelhanos, que faz morrer a oeste a quase planura da meseta ibérica e onde começam as rugas desta terra antiga e histórica, têm nascido amores. Silvestres, escondidos e tímidos mas ainda assim amores.

Desde o início, já depois de ser Martinho de seu nome de batismo, Já com o nome de Sancho Afonso, mais hispânico que o outro, encontrado à pressa e à conveniência, porque assim aconselhava uma futura relação com as femininas cabeças coroadas das filhas do rei de Castela, já coroado Rei de Portugal, D. Sancho I encontrou nesta zona escondida o encanto dos escondidos amores. Maria Pais Ribeira (Ribeirinha entre nós), que haveria de dar-lhe, paridos também às escondidas, 6 filhos, quatro varões e duas meninas, abriu a caixa de Pandora onde não ventos maus mas sim brisas criadoras foram o prenúncio de outros amores ocultos, outros ecos sussurrados entre amantes, outros beijos roubados na serrania… Toda esta energia criativa, quase etérea, se corporalizou na vontade de um povo com identidade própria mas aberto ao mundo. Um povo criador e amante da natureza, uma terra onde o milho é mais verde e a água das ribeiras mais cristalina.

Assim nasceu esta terra do Jarmelo onde nasci também. Aqui procurou meu pai, vindo de fora, o amor de uma jarmelista, muitos houve guiados por algumas das brisas que escapavam deste vale, que aqui procuraram o prazer e o amor.

Todos os que vieram ficaram. Dizem as lendas… Desta água do Jarmelo, os que bebem… aqui se apaixonam.

Pastores e reis misturaram aqui o sangue, reis pastores se multiplicaram nestas encostas. Senhores de cajado como ceptro real na mão de olhar límpido e sereno, alma nobre e coração amante da natureza, aqui criaram tementes a Deus e ao poder natural os filhos e as vacas. Rostos rudes da rudeza do clima mas expressivos do amor pelas coisas próprias aprenderam a ajoelhar-se na igreja com a mesma devoção com que o fazem diante da natureza de uma vaca jarmelista que lhe pare madrugada alta, seu sustento e seu orgulho.

Este domingo passado foi dia de festa, ufana esta gente da minha terra reuniu-se em mais uma feira e festa da vaca jarmelista. Foi vê-los de olhar humilde receber os prémios de um ano de trabalho. Emociono-me sempre ao olhar aqueles animais que trazem, tão cuidados como os filhos, enfeitados e escovados com horas de paciência e palavras aos ouvidos como se de pessoas se tratassem.

Admiro-os, cada ano que passa melhor entendo, mais me revejo neste respeito natural que cria. Os últimos anos acompanhado da minha filha aprendi o que me faltava entender, alertou-me para os olhares dos animais…. Nobres também. Alguns impacientes pela momentânea privação da liberdade, mas ainda assim de olhar altivo de bovino jarmelista, também neles corre este sangue de quem ama e respeita a natureza.

Como prova da força da gente jarmelista, este cabeço de fráguas e giestas ganha vida todos os anos num espaço de antiga vila arrasada por D. Pedro Primeiro também por motivos de amor. O amor de Inês.

O Jarmelo é Universal! Alves Redol poderia ter escrito sobre os jarmelistas, também são homens e mulheres guardadores de vacas e de sonhos.

Por: Júlio Salvador

Sobre o autor

Leave a Reply