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A sombra europeia

A Europa segue um rumo indecifrável. Adotando narrativas que convém decifrar. Um ano depois a ameaça do Grexit (saída grega do euro) volta novamente a pairar sobre a Europa, embora, como há um ano, não se deva concretizar. Tudo uma questão de narrativas. Escrevo antes do Eurogrupo de terça-feira, 24 de maio, encontro em que os líderes europeus deverão ter validado a primeira avaliação trimestral ao cumprimento do memorando grego, assinado há quase um ano entre Atenas e a troika. Avaliação prevista para Outubro do ano passado.

Esta reunião deverá ter servido também para discutir o alívio da dívida grega defendido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e rejeitado pela Alemanha. Esta segunda-feira o FMI, que fez depender a sua participação financeira no resgate, que poderá ascender aos 86 mil milhões de euros, do resultado da primeira avaliação e da disponibilidade dos credores europeus para discutirem o alívio de uma dívida que o Fundo considera «insustentável», publicou um relatório em que volta a desafiar os parceiros da União Europeia.

Depois de o Eurogrupo do início de maio ter mostrado vontade de aliviar a dívida helénica apenas e só depois da conclusão do programa de ajustamento grego em curso, prevista para 2018, e em função da implementação das reformas estruturais prescritas e do cumprimento das metas orçamentais acordadas, o FMI vem dizer que a «implementação do alívio da dívida [grega] deve estar completa até ao fim do programa» de assistência.

Este «até» é difícil de engolir para a Alemanha. Angela Merkel e Wolfgang Schaüble, chanceler e ministro das Finanças alemães, respetivamente, fizeram aprovar, em 2015, o terceiro resgate à Grécia no Parlamento germânico segundo os pressupostos de que o FMI participaria e de que este apoio nada mais era do que um empréstimo. Esta recusa do FMI em participar no resgate vulnerabiliza o Governo alemão, que mentiu no Parlamento ao garantir que a Grécia é um Estado solvente. Que o não era há um ano e menos o é agora. É que depois de argumentar que um perdão de dívida transformaria o empréstimo à Grécia numa transferência direta, o Executivo alemão ficou agora com as mãos atadas.

A posição do FMI, que poderá até estar a utilizar todo este expediente para se autoexcluir de um resgate altamente oneroso, mostra como o jogo de sombras em Bruxelas ensombra o futuro dos seus Estados-membros. A posição da Comissão Europeia face às putativas sanções a Portugal faz parte desse jogo, em que se adia uma eventual decisão punitiva para depois das eleições espanholas. O que mostra que dependendo de quem possa vir a governar Espanha é que poderá, ou não, haver sanções para os prevaricadores. Pune-se quem não se gosta e perdoam-se os “nossos”.

Portugal prevaricou, é certo, não saindo do procedimento por défices excessivos. Assim como prevaricou a Alemanha ao registar, uma vez mais, um excedente orçamental de 8%, bem acima do permitido pelas regras do mesmo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Explicar despesa a mais é bem mais difícil do que poupança a mais… Há regras que ensombram uns e iluminam outros. E narrativas que já não enganam ninguém.

Por: David Santiago

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