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A Solução

Vejo cada vez mais pessoas transformarem os desejos em reivindicações pretensamente legítimas, como se aqueles levassem necessariamente a estas. A lógica, em todas as suas formas, e o puro e simples bom senso, dizem-me que o argumento não pode ser válido: o meu desejo de vir a ser rico e feliz não pode transformar-se em direito por mero efeito da minha vontade. É preciso reunir primeiro as condições para que os meus desejos se tornem realidade, ou ao menos possíveis. Mas não chega: é preciso ainda que as minhas reivindicações, sejam dirigidas a quem tem poder para as satisfazer.

No buzinão de hoje, dirigido contra o aumento dos combustíveis, um dos “buzinantes”, entrevistado pela televisão, apresentou uma solução lapidar para o seu problema. Segundo ele “é preciso baixar os preços” dos combustíveis. A solução, pela sua simplicidade, parece um autêntico ovo de Colombo. “Como”, dirá o leitor, “não se lembrou ainda ninguém disto?” Uma objecção óbvia a essa pretensão consiste no facto de o preço do petróleo não ser totalmente formado em Portugal. O preço do petróleo aumenta, entre outras razões, pelo aumento da sua procura por indianos e chineses e pela crescente escassez do próprio produto. Dizem alguns que estamos a atingir o pico da produção e que, a partir desse pico a oferta irá diminuir gradualmente até à extinção do produto. “Isto não é verdade”, dizem muitos, agarrados às suas buzinas, “boa parte do preço dos combustíveis é constituída por impostos”. “A solução, como é evidente, passa pela redução desses impostos”. Brilhante, mais uma vez, dirá o leitor mais desatento. Terá é que ter uma ideia sobre quais os serviços públicos, pagos pelos nossos impostos, que deverão ser encerrados para permitir a diminuição dos impostos sobre os combustíveis: vamos colocar portagens nas SCUTs? Vamos encerrar mais maternidades e serviços de urgência, ou talvez esquadras da PSP? Vamos congelar salários de professores, médicos, juízes, oficiais de justiça e funcionários públicos em geral? Vamos abdicar das nossas forças armadas? Vamos reduzir pensões? Ou será que é preferível aumentar os outros impostos? Talvez o IVA, o IRS ou o IRC?

Se o buzinante pensasse um pouco sobre o assunto, poderia entender que, basicamente, restam-nos a todos poucas opções: ou entramos em guerra civil, com pescadores contra camionistas ou taxistas, ou agricultores, ou todos estes contra o público em geral; ou declaramos guerra à Arábia Saudita, ao Irão, à Venezuela e mais meia dúzia de países produtores de petróleo com influência na formação do preço.

Se não quiser entrar em guerra, o buzinante tem outra alternativa na pura e simples mudança do seu estilo de vida. Deve abdicar do carro para viagens curtas e começar a encarar com outros olhos os transportes colectivos, ou então evitar circular sozinho dentro do carro, deve evitar comportamentos que aumentam o consumo de combustível como acelerações e travagens bruscas, velocidade demasiado elevada, utilização despropositada do sistema eléctrico do carro, como por exemplo a buzina.

Por: António Ferreira

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