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A República das Bananas

Editorial

As primeiras imagens, na CMTV, pareceram-me mais um pacote para a conquista de audiências, agora que o inquérito acabou e já não há segredo de justiça. Não me mereceram muita atenção.

De seguida foi na SIC. Com a aparência de grande reportagem, grafismo forte e cor intensa, e jornalistas de referência para o canal de Carnaxide, a divulgação de vídeos de interrogatórios judiciais e escutas telefónicas a José Sócrates, mereceram um olhar mais atento. A estupefação tomou conta de mim, como porventura apanhou a maioria dos portugueses com algum sentido crítico, dignidade e moral. Primeiro pela dimensão que, de certa forma já fora relatada na imprensa, mas agora é vista e ouvida num «folhetim» (como lhe chamou, muito a propósito, Vicente Jorge Silva). Já não eram apenas as declarações de José Sócrates, eram os vídeos de todos os protagonistas da “Operação Marquês”, já não eram apenas as conversas truncadas e codificadas entre um ex-primeiro-ministro «provinciano» e o seu amigo covilhanense Carlos Santos Silva, eram os rostos, as posturas corporais, a voz e as reações de Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro ou Zeinal Bava, toda uma elite que durante anos foi idolatrada e glorificada pelo Portugal moderno. Mas era muito mais o que nos passava pelos olhos, era a sensação de um Portugal putrefato e corrompido. Já não era apenas a vaidade do poder em Sócrates, era o polvo do “dono-disto-tudo” que embalava todos os grandes negócios feitos em Portugal nos últimos doze anos, era o génio de Bava que soçobrava às mãos da facilidade e do dinheiro sujo de um saco azul gigantesco ou o domínio da matéria de Granadeiro a feder a corrupção e a esquemas urdidos com Ricardo Salgado. Era uma dor o que tomava conta de mim; que país; que gente! Era a confirmação do pior, a confirmação de que Portugal tem estado entregue ao pior de si mesmo, a pessoas sem escrúpulos, sem sentido do coletivo e que se venderam por um saco de moedas. É o país da corrupção que chega ao mais alto nível, ao mais alto escalão da sociedade, e se quem se vende por um “saco de moedas” eram os Bava, os Granadeiro, os Bataglia ou até os Espírito Santo, além de um ex-primeiro-ministro, como é que não se hão de vender presidentes de Câmara, vereadores, altos funcionários ou técnicos de informática de um Tribunal de Fafe? Significa isto que todos são corruptos? Não! Mas isto significa que temos de exigir mais transparência e temos de interrogar continuamente de onde veem os rendimentos de quem ocupa funções públicas ou com interesses públicos. Significa que o enriquecimento ilícito tem de ser criminalizado e significa que não podemos tolerar que a lentidão da justiça, das condenações ou as dúvidas sobre o trabalho dos investigadores se sobreponha ao interesse público. E conhecer, divulgar, toda a dinâmica à volta dos processos mais mediáticos é contribuir para o melhor esclarecimento de todos – e as imagens dos interrogatórios tiveram essa virtude, permitir que todos pudéssemos visualizar a podridão a que chegámos – os 44 anos de Abril, que celebramos, não podem ser envergonhados por tantos oportunistas que corrompem e diminuem os valores de Abril, da igualdade, da democracia e da liberdade.

Depois, a segunda dimensão, como muito bem salientou Vicente Jorge Silva em “Isto não é jornalismo” (in “Público” de domingo), é podermos perceber até que ponto é que há informação para além do “folhetim” das imagens. E, salvo no vídeo sobre o apartamento em Paris, não há. O que há é um guião que nos vai conduzindo por entre a investigação judicial e nos leva às conclusões da acusação. O libelo acusatório que ocupa toda a reportagem não considera outras fontes, esquece o contraditório e não apresenta trabalho independente, para além do que o Ministério Público disponibilizou – Ricardo Costa e Cândida Pinto, os responsáveis editoriais pela reportagem, permitiram que fosse para o ar um trabalho interessante em termos de imagem e voyeurismo, mas de instrumentalização da comunicação social pela justiça e de mau jornalismo.

Luis Baptista-Martins

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