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A questão britânica

Theatrum Mundi

A posição do país de sua majestade no seio da Europa foi sempre polémica, mas esta é uma questão que promete vir a complicar os esforços de saída da crise europeia num momento em que se cumprem os 40 anos da adesão do Reino Unido às Comunidades europeias. À medida que as instituições e os mercados pressionam no sentido de uma integração mais aprofundada e até do federalismo que está a fazer o seu trajeto na área bancária e orçamental/fiscal, as reações centrífugas também se multiplicam, alimentadas por visões ultra-utilitaristas dos custos e benefícios de fazer parte de uma Europa política. O pragmatismo da posição britânica foi sempre olhado de soslaio pelos sócios europeus, e pela França e Alemanha em primeiro lugar, que foram tolerando as exceções impostas por Londres na área social, Schengen e moeda única designadamente, e acederam a assinar o chamado cheque britânico para ressarcir o Reino Unido da política agrícola comum.

Há realidades da integração europeia que não adianta ignorar e uma delas tem que ver com as motivações europeias de Londres. Historicamente, os britânicos veem-se como extra-europeus ou apenas tangencialmente europeus, sentimento partilhado por governantes e cidadania, pelo que são alheios aos apelos do destino manifesto da integração política da Europa assente em valores comuns, tão invocado pelos dirigentes do continente. Os britânicos nunca se viram no centro do projeto europeu, como franceses e germânicos desde Carlos Magno e Otão I, nunca o quiseram liderar e nunca o viram como oportunidade de modernização. Ao contrário, foram cultivando o excecionalismo insular anglo-saxónico na relação privilegiada com a Commonwealth e os Estados Unidos da América e durante todo o século XIX praticaram uma política de fiel da balança dos poderes europeus para garantir que nenhum deles alcançaria a hegemonia política ou económica. Então qual é a questão britânica no seio da União Europeia, porque tem interessado a Londres fazer parte do clube europeu? A questão é que Londres ainda olha para o clube europeu como mera zona de comércio livre de que interessa fazer parte porque maximiza as vantagens comerciais mas que deve garantir aos estados membros toda a liberdade para seguirem políticas sociais, fiscais e económicas próprias.

Margaret Thatcher corporiza o excecionalismo insular anglo-saxónico e a recente revelação de documentos oficiais relativos à guerra das Malvinas em 1982 ilustra bem o caso. Durante o conflito com a Argentina, agravou-se a desconfiança de Thatcher face à Europa e revelam esses documentos oficiais que a dama de ferro temia mesmo um ataque militar espanhol a Gibraltar que aproveitasse a mobilização das forças britânicas no Atlântico Sul. Trinta anos depois, o sucessor político de Thatcher em Whitehall David Cameron mantém a mesma orientação colonial ao rejeitar liminarmente qualquer negociação sobre as Malvinas com a Argentina de Cristina Fernández de Kirchner. E recupera o euroceticismo thatcheriano em tempos de crise, não escondendo já a intenção de realizar a prazo um referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia. Numa altura em que um consenso mínimo foi alcançado a nível europeu sobre coordenação bancária e união fiscal como forma de recuperar a confiança na solidez do edifício financeiro europeu, Cameron insiste na desregulação dos mercados financeiros e protege as vantagens da City de Londres.

Por: Marcos Farias Ferreira

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