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A propósito de Gilles Lipovetsky: “A Cultura na Era da Globalização”

Opinião – Ovo de Colombo

No mês passado, a Sociedade Portuguesa de Autores iniciou o Fórum Cultura Viva com uma conferência de Gilles Lipovetsky. O filósofo francês retomou algumas das ideias-chave já abordadas em livros, de modo a desenvolver o conceito de cultura-mundo que caracteriza a hiper-modernidade. Para Lipovetsky, o triunfo global do capitalismo significa igualmente uma dimensão cultural do próprio capitalismo, bem como a inevitável absorção da cultura (cultura-mundo dado estar globalizada) pelas dinâmicas do mercado. Recorda-nos que, enquanto a Modernidade se associava a uma visão romântica do artista, com autores como Baudelaire ou Flaubert a desprezarem o dinheiro (originário dos males e corrompimentos do mundo), ou que as vanguardas do início do século XX tinham o anelo utópico de mudar o Homem, hoje as instituições culturais regem-se pela lógica da rentabilidade e da concorrência.

Todos conhecemos exemplos flagrantes desta cultura-mundo capitalizada. Quem não quer ir a Bilbao visitar o Guggenheim? Quem já não ouviu falar do Louvre em Abu Dhabi, projeto do arquiteto Jean Nouvel, também responsável pela ampliação do Museu Reina Sofía de Madrid? Que vários governos descobriram no elemento cultural um modo de gerar benefícios, revitalizar bairros e cidades, ou inseri-las nos roteiros cool das urbes mundiais à custa de projetos aparatosos assinados por arquitetos estrela de renome internacional, não é novidade. Que as dinâmicas do benchmarking chegaram aos museus, que os objetivos financeiros, de crescimento de públicos, de divulgação de imagens de marca (Serralves, Tate, Prado, MoMA, etc.), de apelo ao consumo diversificado sem sair do mesmo espaço cultural (a exposição, o catálogo, o almoço, a t-shirt) são prioritários ou que cada vez mais se privilegiam diretores-gestores em vez de diretores-artísticos, também não é novidade.

Podemos, portanto, estar efetivamente perante uma cultura-mundo, capitalizada, dominada pelo universalismo tecnológico e pelos media, inserida na sociedade do hiper-consumo onde prevalece a dinâmica do individualismo, como defende Lipovetsky. Podemos estar também a concretizar o grande temor de Theodor Adorno, quando nos anos 40 se referia pioneiramente à “indústria da cultura”: a degradação da cultura em indústria de entretenimento.

Mas o que verdadeiramente parece estar a cair em esquecimento são as especificidades dos produtos culturais, tal como o seu valor simbólico. Se é possível gerir equipamentos e recursos, a cultura per se com certeza não o será. Face à capitalização e mundialização da cultura, na era da estetização do hiper-consumo, o desafio é “simples”: recordar a dimensão ética da cultura e promover a criatividade nas jovens gerações. Enfim, fomentar algo de tão importante (e tão cool) como sermos autênticos, fiéis a nós próprios e às nossas culturas.

Tânia Saraiva*

* Historiadora e crítica de arte; professora universitária.

Sobre o autor

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