Apesar de existirem 265 crianças institucionalizadas no distrito da Guarda, actualmente não há nenhuma em condições de ser adoptada. «Pelo menos com as características que os candidatos a pais adoptivos pretendem», garante Ana Moreira, a coordenadora da equipa de adopção do Centro Distrital da Segurança Social da Guarda.
Contudo, há cinco menores com projecto de vida definido para adopção, mas aguardam há mais de dois anos por novos pais. Três são irmãos e dois já têm mais de 10 anos e «alguns problemas de saúde». Do outro lado do problema, em lista de espera, estão 37 aspirantes a pais – 29 casais e 7 candidaturas singulares. Números que, na opinião da coordenadora, são reveladores da realidade do universo da adopção. O problema é que os casais procuram «a criança perfeita», acrescenta. No rol das principais “exigências” destaca-se, desde logo, a idade. «A maioria quer crianças até aos três anos. Com alguma vontade conseguimos que se predisponham a adoptar até aos quatro anos», adianta Ana Moreira. Mas há mais critérios. «Há preferência por crianças saudáveis, de raça branca e sem qualquer défice cognitivo», refere. Só que, muitas vezes, a vivência em instituições e as situações familiares difíceis a que foram expostas fazem com que sejam portadoras «de uma série de problemáticas». Mas quem não quer pensar nisso são os candidatos a pais, que «não desejam lidar com situações difíceis», garante.
A responsável afiança mesmo que são raros os pais que se interessariam por uma criança saudável se, por exemplo, lhes fosse dada a conhecer a existência de «indícios não confirmados de abuso sexual». Por isso, chama a atenção para o verdadeiro conceito de adopção: «Não se trata de arranjar a melhor criança para um casal, mas antes tentar arranjar a melhor família para uma criança», avisa. Mesmo assim, e para mal das próprias crianças e dos futuros pais adoptivos, o processo de adopção é moroso. A coordenadora não o nega, embora atribua a demora aos tribunais que, por vezes, «são demasiado zelosos». O problema é que até que uma criança tenha um projecto de vida definido, «acontece um processo judicial muito longo e são raras as crianças que vão com menos de três anos para o circuito de adopção», refere. Muitas vezes, a “culpa” é dos pais biológicos. Ana Moreira explica que «é frequente que não queiram ficar com as crianças, mas também não as deixam ser adoptadas». Pelo meio ficam institucionalizadas, à espera de uma decisão efectiva. No distrito da Guarda há dois Centros de Acolhimento Temporário e sete Lares de Crianças e Jovens. No que diz respeito a adopções consumadas, no ano passado aconteceram apenas três. Tantas quantas as concretizadas em 2007.
«Estranhos que, afinal, vão ser pais e filhos»
Há 15 anos Celestina Vieira foi mãe de uma criança que viria a falecer 11 dias após o parto devido a uma doença metabólica rara. Depois de outras três gravidezes terem resultado em abortos espontâneos, o casal começou a ponderar a possibilidade de adoptar uma criança. Embora se tenham inscrito no Centro Distrital da Segurança Social de Castelo Branco em Outubro de 2001, a futura mãe não estava particularmente entusiasmada com essa possibilidade. «Hoje reconheço que é um perfeito disparate, mas tinha a ideia de que ser mãe biológica teria muito mais significado», confessa. Passado o processo de avaliação, feito por psicólogos e assistentes sociais, o casal foi considerado apto para adoptar. Na Segurança Social deixaram a indicação de que pretendiam uma criança «até aos quatro anos, rapaz ou rapariga, e de cor branca». Depois seguiram-se «três difíceis anos» de espera, o que os levou a ponderar a possibilidade de desistir.
Contudo, em Setembro de 2004 foram informados da existência de dois irmãos que preencheriam os requisitos. O casal aceitou de imediato, mas «as burocracias arrastaram o processo e só a 16 de Novembro desse ano é que os meninos vieram para casa», recorda Celestina Vieira. Numa primeira fase, os contactos entre as crianças e os futuros pais são feitos através de fotografias. Segue-se a primeira visita à instituição, «um momento desesperante, é um encontro em que somos todos estranhos uns aos outros, mas estranhos que, afinal, vão ser pais e filhos», descreve Celestina Vieira. Já lá vão três anos e, ultrapassadas todas as contrariedades, sobra a emoção de mãe: «Estes meninos são a luz da minha vida e tenho a certeza que nasceram para mim», garante.
Quem espera, desespera
Olga Costa aguarda por uma criança desde Abril de 2003 e ocupa actualmente o «segundo lugar» na lista do Centro Distrital da Segurança Social. O desejo de adoptar nasce do facto de não querer «enfrentar uma gravidez, um parto e, em simultâneo, ajudar uma das muitas crianças que vivem situações terríveis de vida», justifica. A aspirante a mãe acredita que em Portugal «o sistema jurídico não está preparado para a delicada questão da adopção, o que faz com que os processos se tornem excessivamente morosos». A espera de mais de quatro anos tem sido «dolorosa», sobretudo porque da Segurança Social chegam muitas vezes cartas com a indicação de que há crianças para adoptar com deficiências graves, «o que magoa muito quando se está à espera», refere. Inicialmente, Olga Costa pretendia adoptar uma menina até aos 7 anos. Conformou-se com o passar do tempo e foi «abrindo o leque de exigências». Hoje, está disposta a acolher qualquer criança até aos 12 anos, sem preferência quanto a sexo ou raça, «desde que seja saudável». Apesar de «não estar a ser fácil de suportar», ela garante que não vai desistir: «Quem sabe se um dia não conseguirei mesmo ser mãe e, mais tarde, avó?», sonha.
Rosa Ramos