Arquivo

A pessoa inteira

Bilhete Postal

A duração do pensamento nem sempre é a mesma do corpo, e o corpo por vezes deteriora-se muito mais que o pensamento, sendo possível uma mente livre ficar aprisionada de um corpo inerte ou um corpo cheio de energia carregar uma mente insana. O tempo que medeia até à loucura pode ser curto, repentino ou instalar-se de modo a que demos conta de que a insanidade chega. A memória é um componente da nossa integridade, a imaginação é outro, associadas que são aos sentimentos, às emoções, à capacidade aditiva e por isso de raciocinar, de converter em números, de percecionar pelos sentidos. A pessoa toda é pois uma confluência de funções cerebrais, de integração de conhecimentos, de partilhas de informação e é também um corpo que revela, expressa, demonstra, teatraliza, se esforça e se ultrapassa em desafios. Mas podemos ser inteiros até ao dia em que um êmbolo nos pára. Podemos perder lentamente a memória. Podemos colapsar, podemos desarticular, perder a atenção, a moral ou o respeito. Esse ser completo perde então partes e é amado como um todo, como o ser que antes era. Este que agora perdeu partes não é o mesmo que antes existia, mas nós coibimos a evidência da diferença. Eu sigo amando este que agora se arrasta e que não me recorda. Eu agarro-me ao amor que antes vivi e vejo ali ainda a integridade que se desmoronou. Este é um problema fulcral na perda das funções que o tempo nos traz. Este é um duro golpe na forma como o tempo corrompe a duração da nossa plenitude. Não me lembro do que escrevi no início, releio com medo e no fim não recordo outra vez… O temor de não ser eu nunca mais!

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply