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A pedrinha é um menir

Suportada por frágeis posições conjuntas, a atual solução governamental tem-se mostrado bem mais resiliente do que o mais otimista António Costa terá sequer imaginado.

O Presidente Marcelo dizia há poucos meses que a estabilidade política está assegurada até às autárquicas de 2017. O que foi visto como uma ameaça não foi mais do que uma constatação da existência de ciclos políticos. Bloco, PCP e Verdes reiteraram por diversas vezes a solidez do Governo socialista, que apoiam mediante acordos de incidência parlamentar. No recente debate do Estado da Nação ficou clara a divisão entre a direita e a esquerda, equipas sem estratégias coincidentes mas com objetivos iguais: PSD e CDS à espera de eleições e PS, BE, PCP e Verdes juntos nas reversões.

Mas, como tudo na vida, há dias melhores e há-os também piores. E não raras vezes são os piores que predominam. Há uma semana, segundo noticiou o “Observador” e confirmou a restante imprensa, numa reunião com o grupo parlamentar socialista António Costa mostrou o pessimismo pelo qual há muito Francisco Assis e António José Seguro ansiavam. A Europa é o calcanhar de Aquiles de Costa.

Visível logo na discussão do Programa de Estabilidade, a União Europeia é a pedrinha no sapado com a qual o calcanhar de Costa tem de caminhar. Bruxelas deve anunciar já esta semana em que consiste o processo sancionatório a Portugal pelo incumprimento orçamental entre 2013 e 2015. Seja qual for a penalização – zero ou “simbólica” de alguns milhões de euros – haverá consequências reputacionais para o Estado. Mas acima de tudo haverá consequências políticas, e são essas que o Governo teme.

A UE insiste que Lisboa precisa de medidas adicionais para fazer frente ao que considera ser a provável derrapagem substancial da execução orçamental. E para 2017 quer maior consolidação orçamental, em especial do saldo estrutural primário. O abrandamento da economia mundial, os problemas específicos em mercados importantes para Portugal, como o Brasil e Angola, e a incerteza do processo negocial em torno do Brexit, tudo fatores que não poderão ser disfarçados por uma gestão de caixa em que se cativam despesas e adiam pagamentos. O otimismo do quadro macroeconómico do Orçamento de 2016, antecipadamente dito exagerado, pode ficar ainda mais irrealista do que se antecipou. Esta sexta-feira são conhecidos os testes de stresse do BCE, com a banca italiana e portuguesa no epicentro de um potencial novo furacão.

Depois das reuniões que os partidos tiveram esta semana com o Presidente, o PS e o BE afiançaram que não há nenhuma crise política à vista. Mas indiferente ao que se pode passar, o Bloco disse desde já que, perante a boa execução orçamental no primeiro semestre, é preciso continuar o que até aqui trilhado. Já comunistas, acossados pelo esquecimento a que foram vetados nas nomeações para o Constitucional, exigem aumentos das pensões em 2017. E Jerónimo avisou que não votará o próximo Orçamento de olhos fechados. Costa terá de acomodar tudo isto em apenas um Orçamento. Um só Orçamento terá de acolher tantas contradições. O primeiro-ministro tem um menir em mãos.

Por: David Santiago

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