De quando em vez, os Governos olham com evidente desagrado a outra face do país.
O país que existe fora de Lisboa, deserdado das vantagens do progresso, onde vivem cada vez menos portugueses, esmagados e agredidos por tanto desinteresse.
Com refinado desembaraço, sem pudor, há sempre um tempo em cada legislatura para que se anuncie um novo desígnio para o interior. Tem sido sempre assim, com a mesma preocupação estética, equivoco no domínio dos princípios e numa lógica de puro interesse político que não se embaraça com a ética. É assim também o caso da “Missão para o Interior” anunciada com a pompa que a circunstância exigia, criada, todavia, sem programa nem missão universal.
Na velha tradição maquiavélica não há problema de pudor, só de eficácia. Imaginou-se na ausência de programa que a Missão trouxesse para o interior uma reforma fiscal, baixa de impostos para o investimento e para as empresas, o fim das portagens, investimento público desconcentrado e deslocalização de serviços públicos. Todavia, factualmente existiram tão só dois momentos em que se voltou a falar desta missão. Seis meses depois de criada, com o anúncio da demissão da presidente com públicas críticas à inação do Governo e, recentemente, com o anúncio da localização de um centro da Google no interior do país… em Oeiras.
E pronto, onde está o poder o legado maquiavélico vive sem preconceito.
O poder sempre usado em proveito de quem o tem. Pondo e dispondo.
Todas as experiências históricas conhecidas e estudadas, no âmbito da reforma do território, exigiram compromissos de várias legislaturas entre todos os blocos ideológicos para que as reformas pudessem ser conduzidas ao longo dos tempos com sucesso e estabilidade.
O reordenamento do território não pode ser um campo de vaidades deste ou daquele Governo, tem de ser uma missão de compromisso político duradoura.
É triste e desolador para quem vive no interior quando se assiste, à direita e à esquerda, a estas declarações unilaterais dos Governos, como se um só partido político, ou uma área ideológica, só por si, sem um consenso alargado, pudesse dar corpo a uma autêntica reforma do território.
É lamentável a falta de ética e de pudor e é irresistível lutar contra a demagogia sem preconceito que constitui esta pantomima. Resta a dignidade de quem pensa e quem diz a tempo que por aí não vamos, por aí não é o caminho, tão só a farsa!
Por: Júlio Sarmento
* Antigo presidente da Câmara de Trancoso e ex-líder da Distrital do PSD da Guarda
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