Com menos sangue, mas com o realismo e afinco dos 40 atores amadores, o Grupo Cultural e Desportivo Pousadense vai encenar a “Paixão de Cristo” no sábado à noite. Um épico do teatro popular daquela aldeia do concelho da Guarda.
O relógio marcava 21 horas quando o ensaio começou. Durante mais de duas horas, com momentos de descontração pelo meio, os atores amadores de Pousade (Guarda) estudaram todas as cenas, desde o sermão da montanha até à ressurreição, para se certificarem de que nada vai falhar no sábado, a partir das 21 horas.
De folha na mão ou com as falas decoradas, todos teimam em não deixar morrer a tradição do teatro popular da aldeia, que foi retomada em 2004 após anos de interregno. «Há muito esforço e sacrifício para mantermos esta tradição», garante Carlos Batista, que também entra na peça. O dirigente do Grupo Cultural e Desportivo Pousadense não tem dúvidas que «isto é a nossa identidade», acrescentando, orgulhoso, que «tem ainda mais valor porque somos amadores». A representação deste ano começou a ser preparada há dois meses. Todas as quartas-feiras, quintas e sábados (e ultimamente também sextas e domingos), o anfiteatro situado no Largo do Outeiro ganha vida. Por ali deambulam os discípulos, Jesus Cristo, Maria, Judas, Barrabás, Lázaro, Pôncio Pilatos e alguns soldados romanos a repetir deixas e a memorizar posições.
De cabelo grisalho e uma barba que lhe preenche a face, José Marques, de 72 anos, encarna Jesus, personagem que tem trabalhado desde que lhe deram as falas e até fora dos ensaios: «Geralmente leio de manhã, à noite e quando ando nos meus afazeres», admite o reformado. Mais do que o texto, José Marques confessa que a sua dificuldade é a parte gestual. «A minha personagem tem muitos gestos e eu ainda tenho que os colocar em prática», refere o pousadense, para quem esta tradição é «importante» pois «dá movimento às pessoas» e à aldeia. Outros problemas têm os atores que trabalham e têm filhos, para quem não tem sido fácil conciliar a vida pessoal com os ensaios. Quem o diz é Judas, interpretado por Aristides Monteiro, que também faz de Demónio. «As minhas falas ainda não estão bem decoradas por conta disso», admite este ator de 45 anos, que aproveita os momentos de estudo do filho para memorizar os seus papéis.
Desde 1997 que participa em peças teatrais e recorda-se que, antigamente, a “Paixão de Cristo” em Pousade era representada na íntegra, «das 22 horas às seis da manhã». Agora já não é assim, mas «damos o nosso melhor. Não há teleponto nem auriculares. É tudo ao vivo, em direto, e tem saído bem», considera Aristides Monteiro. A tradição continua, mas este ano será feita ao ar livre, num terreno próximo do anfiteatro, «um espaço nunca antes utilizado», adianta Carlos Batista. «Vamos ter cenários naturais. Há apenas uma ou duas cenas que nos levam para a civilização», antecipa o dirigente, que alertou para o facto da representação estar «muito dependente» do clima. «Temos falado com São Pedro. Não sei se a mensagem chega lá, mas era bom que não mandasse chuva», apela, entre risos. Quanto ao futuro, o presidente da coletividade diz que a continuidade desta tradição «dependerá dos apoios e da disposição das pessoas» para participar. Também Joaquim Marques, ator calejado que foi dando indicações aos restantes elementos no ensaio, afirma que «somos reconhecidos como os representantes do teatro religioso no distrito» e «não queremos ser apoiados como mendigos, mas sim como quem quer transmitir uma identidade e dignificar este teatro».
Encenação da Via Sacra amanhã em Pinhel
A encenação da Via Sacra em Pinhel decorre amanhã (21 horas), tendo início no Largo dos Combatentes e final junto ao castelo. Com o tema “A nossa e a Tua cruz”, esta recriação mobiliza dezenas de pessoas e percorre algumas ruas e espaços emblemáticos da cidade, com som e iluminação. Participam ainda os grupos de “encomendação das almas” de Azêvo, Souropires e Santa Eufêmea.
Sara Guterres