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A musicalidade no quotidiano

Opinião – Ovo de Colombo

“Alta Fidelidade” (High Fidelity, 2000) é uma banda sonora com “pessoas dentro”, animada pelos dramas e comédias que marcam o quotidiano de Rob Gordon (John Cusack), o dono de uma loja de música. A música e os seus derivados protagonizam e servem de motor à continuidade do filme, que se reparte em problemas banais, mas também existenciais e de redescoberta de si próprio – como, por exemplo, escolher as cinco melhores músicas alguma vez feitas sobre a morte. O argumento do filme é baseado no livro “High Fidelity”, de Nick Hornby.

A ação tem como ponto de partida o fim da relação de Rob e Laura (Iben Hjejle): é nessa altura que ele repensa as vezes que “levou com os pés” e nos apresenta o seu top 5, sendo o início de uma das viagens mais determinantes da sua vida – embora ele ainda não o reconheça. Este regresso ao passado é uma oportunidade para conhecermos o personagem, que nos olha diretamente nos olhos sem nada a esconder… Ou, pelo menos, assim pensamos durante os momentos iniciais, em que nos deixamos envolver nos dilemas de Rob (ao som de boa música), que nos chama para sua casa, fixando a câmara, integrando-nos nesta sua viagem.

A própria história de Rob parece uma canção. O som propaga-se pelo espaço e pelo tempo e nós vamos colocando, quase inadvertidamente, as palavras. Os ritmos vão-se sucedendo – ora calmos, ora frenéticos – e guiam-nos para o centro da pista onde, embrenhados na sonoridade e no momento, assistimos (inquietos) ao desenvolver da ação. O passado e o presente deixam de ser uma incógnita e as personagens que habitam o ecrã tornam-se familiares: também elas têm problemas, medos, ambições, erros e gostos particulares. A certa altura, os nossos problemas cruzam os problemas de Rob, dos seus colegas, dos transeuntes que esporadicamente influenciam a história: e os sons, antes tão atrativos, ganham novos significados e desafiam-nos a, à distância, repensar o enredo (no qual já estamos tão envolvidos).

Mais do que um filme, “Alta Fidelidade” é uma ode ao universo musical e à sua história, formando e propiciando uma banda sonora ao gosto das vivências de cada um. É também um lembrete para as vezes em que só damos valor ao que temos quando o perdemos, incentivando-nos, assim, a olhar e a agir nas nossas próprias vidas, tal como Rob. Afinal de contas, o melhor filme é o da nossa vida. Deixem a música fazer parte dela.

Com @Última Sessão (fb.com/ultimasessao.cinema)

Sara Quelhas*

* Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Mestrado em Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra

Sobre o autor

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