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A Liberdade de Ficar Calado

Portugal, ou melhor, o Estado Português, tem sido reiteradamente condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação, pelos tribunais portugueses, do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – a norma que reconhece o direito à liberdade de expressão e opinião. Essas condenações têm um efeito mal retratado, em regra, na nossa comunicação social: não revogam a decisão portuguesa, absolvendo o arguido de uma condenação injusta, e limitam-se a atribuir-lhe uma pequena indemnização.

Mais recentemente, e já prevendo que muitos juízes decidem os casos de abuso de liberdade de imprensa com base na jurisprudência dos tribunais europeus, os que não gostam de andar nas bocas do mundo adoptaram outra estratégia. Agora, em vez de participações criminais avançam com acções cíveis, destinadas a obter a reparação (financeira) dos danos causados pela notícia ou artigo de opinião. O fundamento legal é o do artigo 484º do Código Civil: “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.” Isto é, ninguém está impedido de expressar a sua opinião, ou de difundir uma notícia, desde que depois repare os danos que causar. Parece razoável, mas a norma, como está escrita, tem uma aplicação perversa: a obrigação de indemnizar os danos existe mesmo que os factos sejam verdadeiros!

Foi o que aconteceu há uns anos a um jornal que então divulgou os incumprimentos fiscais do Sporting. Entenderam os tribunais que essa notícia, embora verdadeira, tinha causado prejuízos ao clube. Aberrante? Inconstitucional? Pensemos melhor. Imaginemos que um jornalista tinha descoberto, através de uma fonte interna não identificada mas fidedigna, a fórmula da Coca Cola (para além das quantidades excessivas de açúcar). A notícia é claramente relevante, a curiosidade do público imensa, o prejuízo previsivelmente causado à empresa gigantesco. É de publicar? Essa publicação pode ser feita impunemente? A lei civil acha que não. Nem tudo é notícia e há muita coisa que apenas é divulgada porque se sabe ir vender papel.

Miguel Sousa Tavares (MST) acaba de escrever um artigo de opinião em que questiona a política de contratações do Futebol Clube do Porto (FCP), ligando-a aos recentes insucessos, mas a notícia é que o clube o meteu em tribunal e lhe exige uma indemnização de um milhão de euros. Tem graça o facto de MST ser adepto do clube, mas mais graça ainda tem a opção (a crer que as notícias estão a ser bem dadas) de o accionar civilmente e não criminalmente. É que, no primeiro caso, como vimos, a verdade é irrelevante. É como se o queixoso dissesse: por mais rasteiros que sejamos, por mais reprovável que seja a nossa conduta, temos direito a que o público ignore os factos e, se forem divulgados, temos direito a ser indemnizados pelos prejuízos que nos forem causados.

Em que ficamos? MST está em apuros. A verdade também.

Por: António Ferreira

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A.P. solinca2@hotmail.com
Comentário:
O mesmo podemos afirmar na Guarda. Existem muitos que falam e poucos que acertam.
 

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