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A Intérprete

Corta!

Aquela que é, provavelmente, a maior estrela do cinema actualmente, Nicole Kidman, junta-se àquele que é, provavelmente, o melhor actor da actualidade, Sean Penn, no regresso, após seis anos de ausência, de Sydney Pollack, um daqueles realizadores que todos conhecem mas que poucos conseguirão, em trinta segundos, dizer o nome de um dos seus filmes. Ficam aqui alguns: A Firma, Tootsie e… e… bem, ele deve ter mais alguns mas assim de repente só estes me vêm à memória.

Mais comentado por ser o primeiro filme a ter conseguido rodar dentro das instalações das Nações Unidas em Nova Iorque, do que propriamente pelo seu valor, A Intérprete é um thriller à moda antiga, que consegue prender a atenção do espectador de principio a fim do filme. Pollack já anda nisto à demasiado tempo para ceder a facilidades que fariam chegar este filme a um público mais vasto, mas que o tornariam certamente num produto mais frágil, vazio e descartável. Com outro tipo de pretensões, A Intérprete consegue manter-se fiel a um registo mais adulto, se comparado com outras obras de género semelhante que vão surgindo. E só mesmo quem já esteja farto dos cliches do costume, com reviravoltas que o nem chegam a ser de tão previsíveis, ou de filmes onde nada mais, para além da acção, conta ou interessa, chegará a perceber o que é que isso de registo mais adulto quererá dizer.

Ao ouvir uma conversa que não devia, onde se fala de um atentado, a personagem de Nicole Kidman, intérprete nas Nações Unidas, transforma-se numa preciosa ajuda para as autoridades, que irão tentar, com a sua ajuda, evitar que tal aconteça. Mas o seu passado, com ligações ao país que é dominado pela futura vitima de tal acto, rapidamente a transforma em suspeita. Com as autoridades a não confiarem em si, por um lado, e os autores do acto terrorista no seu encalço, Kidman passa todo o filme encurralada, numa trincheira, com os bons e os maus de cada um dos lados.

Num dos momentos mais brilhantes do filme, bons, maus, policias e ladrões, todos convergem, inesperadamente, para o mesmo local. Os vários pontos cruzam-se para um desenlace inesperado, criando uma tensão hitchcockiana que, este ano, só consegue paralelo na cena do avião de Maria Cheia de Graça. Mr. Pollack, regresse mais vezes.

Novamente o real

Ainda não tem data de estreia marcada, mas a sua passagem pelo IndieLisboa, na cerimónia de abertura do festival, permite já avançar que o vencedor do último Oscar para Melhor Documentário foi um justo vencedor. Acompanhando a fotógrafa Zana Briski nos bairros de prostituição de Calcuta, Born Into Brothels, mostra-nos o seu projecto com os filhos destas mulheres, com a fotografia a permitir que estas consigam sair, nem que apenas por momentos, daquele meio. Por entre droga, prostituição e uma miséria constante, a fotografia surge como único escape.

Através dos olhares, congelados em fotografias, de cada uma das crianças, vamos descobrindo as personalidades de cada um. E cada um tem, de facto, a sua personalidade própria. Mas é também através desses olhares que vamos descobrindo muito mais. A própria vida daquele bairro e daquelas pessoas, dificilmente poderia ser mostrada tão aberta e profundamente de outra forma. E depois, não sem alguma surpresa, há também a descoberta, por nós, do génio. Do génio de cada uma daquelas crianças. Ao verem um filme como este, certamente muitos fotógrafos profissionais terão sentido algum incomodo. Ao ver a qualidade das fotografias tiradas por crianças que, pouco tempo antes, nem sabiam muito bem o que seria uma máquina fotográfica. E de novo o real faz corar a ficção, com o documentário a voltar a dar cartas de que está bem e recomenda-se. A estreia em sala exige-se.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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