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A insustentável leveza do luxo

Demora um pouco, mas fiz há dias a diagonal Braga-Lamego-Guarda-Covilhã sem pôr as rodas do meu automóvel numa autoestrada. “Ganham-se” duas horas de viagem em boas vistas sobre o Douro. Mas, do ponto de vista das infraestruturas rodoviárias, uma ideia foi ficando clara ao longo do percurso. A grande maioria das autoestradas que se construiu pelo país fora poderiam, sem nenhum prejuízo para os utentes, ter sido apenas vias rápidas, daquelas que abrem com frequência razoável uma segunda faixa, permitindo a ultrapassagem das viaturas mais lentas. Na sua maioria, o que as autoestradas proporcionam, e que vias rápidas não proporcionam, é o luxo da alta velocidade, quase sempre em infração. Mas este luxo, que habitualmente se faz montado num Audi, BMW ou Mercedes alemães, realmente está a ser pago por todos nós, que não teríamos feito pior uso de uma via rápida. São as portagens incomportáveis para o cidadão comum, mas são ainda os impostos que assim ficam impedidos de servir fins com maior utilidade pública. Fica uma certa sensação de logro… No fundo é sempre a mesma coisa: como se coletivizam prejuízos de bancos, também se coletivizam luxos, que de tão leves para uns se tornam insustentáveis para o país. É por aqui que anda o problema que permanentemente deixa o país em apuros financeiros.

Quer isto dizer que não devia haver autoestradas para o Interior? As nossas A23 e a A25 eram indispensáveis, dado ligarem o país à fronteira, tendo pois um valor internacional. O mesmo sendo verdade para as A4, A6 e A22, que ligam a Espanha por Trás-os-Montes, pelo Alentejo e pelo Algarve, respetivamente. Mas quantas autoestradas no litoral, ou a caminho do interior, poderiam ter sido apenas vias rápidas? Exemplos: A7, A10, A12, A13, A15, A16, A17. As comparações a nível europeu não dizem outra coisa aliás. Portugal tem uma das maiores redes de autoestradas da União Europa, pensemos em quilómetros por habitante ou por área. As autoestradas representam uma parte da rede viária em Portugal muito superior do que representam na rede viária da média da UE. Tudo evidencia a desproporção.

Ao mesmo tempo, Portugal não foi capaz de fazer duas apostas estratégias do mais elementar bom-senso. Apostar na produção de um automóvel nacional, o que é um dos pilares de quase todas as economias nacionais na Europa, falemos da Alemanha rica ou da Roménia pobre. Em segundo lugar, e de forma ainda menos compreensível, o exagero autoestradístico que assolou o país desde os anos 90 fez-se acompanhar pelo definhamento da rede ferroviária nacional, muitas vezes deixada ao abandono, por falta de investimento. Basta pensar na insólita cessação da ligação entre as cidades da Guarda e da Covilhã, ou na fraca qualidade das composições, ou ainda na lentidão das linhas da Beira Baixa e da Beira Alta.

Pelo menos no que respeita à aposta estratégica na ferrovia, o Governo propõe-se emendar a mão. Tarde, mas ainda a tempo. No mês de fevereiro foi anunciado o Plano Ferrovia 2020. Serão estabelecidos corredores internacionais ferroviários a Norte e a Sul. Nesse quadro, será renovada a Linha da Beira Alta e, obtendo apoios europeus, será estabelecida uma ligação ferroviária entre essa linha e Aveiro. A ligação Guarda e Covilhã será reabilitada, estando previsto o lançamento do concurso para setembro deste ano. Neste caso, o investimento rondará cerca de 85 milhões de euros, dos quais se espera que 68 milhões resultem de comparticipação de programas europeus.

Quando tentamos com seriedade perceber como se tornou insustentável o nível de endividamento do país, é surpreendente a simplicidade das causas. Não há mistérios. Como também não é misterioso o tipo de decisões estratégicas que têm de ser tomadas para corrigir um rumo que já saiu demasiado caro à esmagadora maioria dos portugueses.

Por: André Barata

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