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A Guarda está cinzenta

Donde estou só vejo uma rotunda com duas saídas possíveis: fugir ou calar. As opiniões – sacanas – ou são mudas ou eu é que sou surdo.

– O obscurantismo voltou e a liberdade, que é feito dela?

-Que é isso moço? Só vieste ontem mas quando é que vais embora?

Aplaude-se tudo porque antes era pior. Comparamo-nos com o nosso próprio passado que isso de olhar para o futuro ainda é contra a graça de deus e o nosso fado está traçado. A opinião pública, a imprensa, a massa crítica, os intelectuais depois das 18h, os estadistas do passado aplaudem calados ou ficam em casa conformados a ouvir os cães ladrar e à espera que a caravana passe. A oposição disfarça-se de cordeiro manso aguardando que os lobos venham ao repasto e que ao menos alguma carne sobre para cantarem uma vitória qualquer.

A cultura a priori, trabalha-se de véspera, antecipa-se e censura-se previamente não vá o diabo tecê-las ou um artista dizer o que realmente pensa. – Então mas onde é que já se viu dizer mal da nossa terra em frente a tanta gente turista.

E as coletividades e associações da terra?

– Chama-as cá e que tragam a família toda e até as primas em 3º grau. Se metade não vierem ainda são muitas! Vá que no final canto umas cantigas para desenjoar da cantoria e quem não aparecer para o ano não vem, não leva cheque nem fotografia.

-As crianças e as árvores também aprecio. Umas já não nascem, às outras cortam-se as raízes pela raiz. Ou versa-vice. Não percebeu esta…? Óuvice!

-As tradições, festas e romarias fui eu que inventei ontem à lareira, e a minha maria disse logo que eu é que sou o “special one”.

As gerações calam-se. Os mais novos não sabem ler; os jovens não querem saber; os adultos aguentam e rezam na Sé para que os filhos estudem muito para apanhar a 1ª saída da tal rotunda (acelera filho e entretém-te por lá, falamos por whatsapp); os mais velhos acham que já não vale a pena a chatice mas que os banquinhos cheiram bem e as flores são bom assento.

As aldeias estão cheiinhas de moscas. Já a cidade enche-se de pavões engalanados para mais um baile de máscaras à bulha pelas penas mais vistosas, mais altas, mais brancas, mais totais, mais veraneantes ou mais a puta que os pariu. (ai porra que eu não me queria enervar).

Troca-se de gravata com quem troca de camisa para mais um retrato real. Albardam-se todos à vontade do dono e o povo tem o privilégio de apreciar todos os dias o mesmo quadro em diferentes plataformas sócio-móveis-modernaças tá a ver?

Gasta-se o que antes não existia para gastar mas que não apareceu de repente. Plantam-se flores e que se lixem as sementes porque o futuro a outro deus pertencerá. – Já muito faço eu pelos passeios, passadiços e passadismo. Deste sítio havemos de fugir todos. – Oxalá! Quanto menos melhor se controlam.

Uns fogem pela tal rotunda, nunca mais os vemos. Outros deixam fugir a alegria, a vontade de sair de casa e de dizer de onde são. – Schiuu fala mais baixinho que eles andam aí e andamos todos à escuta uns dos outros.

A coisa melhor que para cá trouxeram é o medo. – ‘Tou-te a dizer, é fixe, já lá vive em casa, dorme sossegado, não ocupa lugar à mesa e sempre faz companhia ao serão.

Castradinhos mas trabalhadores acobardamo-nos e se for preciso nem vamos a votos nem votamos. Quando perguntamos ao vento notícias da nossa terra, todos calam a desgraça. E no fim disto tudo, rimo-nos.

-Quem é o autor destas patacoadas?

Sou eu. João Neca, 29 anos, rapaz nascido na Guarda e apaixonado pela Vela e pelo Teatro. Neto da minha Avó, filho de Guida Maria, minha Mãe e de Luís Neca, meu Pai (não se vê logo pelo apelido). Se os ofendidos se ofenderem ofendam-se comigo que, se eu ofendo, também sei ofender-me sozinho. Se as represálias passarem para lá de mim, só estão a sublinhar o que para aqui escrevi e a mostrarem que nem só as ervas vivem rasteiras.

Por: João Neca

* Ator na companhia O Bando

Sobre o autor

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