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A Guarda e a constituição europeia

Theatrum Mundi

O novíssimo príncipe, aquele que está a ser erigido em conjunto pelos estados europeus para enfrentar e resolver problemas comuns, vai ter uma constituição. Contudo, e por paradoxal que possa parecer, o facto de a Europa se dotar de uma carta política pode não significar que vamos ter mais Europa mas, pelo contrário, menos Europa. Quero com isto dizer que é bem provável que o debate acerca da constituição europeia venha a resultar na vitória da Europa dos estados, ou das pátrias, como é apanágio de uma certa direita. A tendência, frequentemente colocada em oposição ao federalismo, pode bem ser a consequência da ascensão da direita em países-chave da União, mas não pode deixar de ser vista também como um reflexo de ideias e princípios de política internacional recuperados após o 11 de Setembro de 2001.

Ao longo de toda a década de 1990, a globalização veio a tornar-se no projecto consensual das elites dirigentes em todo o mundo. Se por um lado o mercado mundial passou a ser visto, sem restrições, como o grande instrumento da criação de riqueza e da sua distribuição à escala planetária, o modelo de integração política regional revitalizado entretanto na Europa ganhou adeptos e passou a ser a meta, mais ou menos longínqua, para vários outros grupos de estados na América de expressão ibérica, na África e no Sudeste asiático. Na Europa sem muro da década de noventa, os insistentes discursos europeístas pareciam ter superado os interesses nacionais. Não que eles não estivessem presentes no funcionamento da CEE ou que os dirigentes nacionais eleitos democraticamente não definissem as suas opções de forma contraditória; simplesmente, essa geração parecia acreditar na possibilidade de sublimação dos interesses particulares em forma de interesse comum. O seu europeísmo materializou-se na ideia de coesão e no esforço por acabar com as assimetrias regionais.

Nas vésperas da constituição europeia, o ambiente e o estado de espírito são muito diferentes. As desconfianças e a inevitabilidade do conflito de interesses está mais presente que nunca, o que no espaço europeu em alargamento se tem traduzido em que os estados não prescindem dos símbolos e das prerrogativas da soberania—comissários, lugares nos parlamento europeu, votos no conselho—e se mostram extremamente sensíveis quanto ao poder de que dispõem relativamente aos demais estados. É como se a União, instância intermédia da globalização, se tivesse tornado num campo de competição em vez de cooperação. Parece aliás ser esta a visão europeia do dirigente do CDS-PP quando declara ser Portugal a única pátria dos portugueses e a Europa um mero interesse…

Numa altura em que mais um estudo da Universidade do Minho vem demonstrar que a utilização dos fundos europeus acabou por agravar as assimetrias regionais em Portugal, não me parece que a Constituição da Europa das pátrias seja uma boa notícia para a Guarda. Não por achar que não precisamos de estado ou pátria, mas somente por estar convencido de que essa Europa das pátrias se fará em detrimento da sempre adiada Europa das regiões. Não tem que ser assim—as pátrias não excluem as regiões—mas a verdade é que em Portugal as regiões nem sequer existem… Não contam nem são tomadas em conta.

Por: Marcos Farias Ferreira

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