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«A gente nova não quer uma arte destas»

Reza a lenda que os ferreiros “caíram” na zona do Jarmelo vindos de Espanha e por ali ficaram. Na aldeia de Donfins, terra de ferreiros e sapateiros, já só Mateus Miragaia trabalha o ferro

«Sabem porque é que a vida de ferreiro é difícil? Porque é tudo à martelada», brinca Mateus Miragaia, de 72 anos, enquanto dá os últimos retoques numa tesoura de tosquia. A agilidade com que maneja as ferramentas “esconde” a idade e as marcas cravadas nas mãos, que gravam as décadas que passou com o ferro. Hoje «já quase não trabalho», confessa o artesão, contando que a generalidade dos pedidos, cada vez menos, são para exposições, recordações ou «facas das antigas».

Mateus Miragaia é o último ferreiro da aldeia de Donfins, antes rica nesta profissão, e o único fazedor de tesouras de tosquia no país. «Isto começou quase por brincadeira mas tomei-lhe o gosto», adianta o ferreiro, que trabalha este metal desde os 15 anos, tendo retomado o ofício quando regressou da tropa, em 1964. «Como não emigrei e tinha de governar os meus cinco filhos, teve de ser ao poder de trabalhar muito», salienta. O artesão recorda ter começado a profissão com o pai do seu cunhado, «falecido há 40 anos». Foi com o cunhado que trabalhou até 1986, altura em que continuou sozinho, sendo ajudado pela esposa durante algum tempo. Dos filhos, somente Rui Miragaia tem «o donzito do ferro», que aplica em esculturas e outras instalações, diz, orgulhoso.

Entretanto, as máquinas foram substituindo o trabalho artesanal, mas Mateus Miragaia mantém «tudo à antiga», ainda que com materiais mais acessíveis. «Não era fácil ser ferreiro sozinho porque não havia materiais como agora, então havia sempre o mestre e o empregado», lembra o ferreiro. Em média, uma tesoura de tosquia demora uma hora a ser feita. «É uma ferramenta um pouco diferente das outras porque se não estiver perfeita depois não se consegue pôr a corte», afirma o artesão, acrescentando que «as outras ferramentas se não cortam a bem cortam a mal». No entanto, o ferreiro não acredita que a sua profissão tenha continuidade em Donfins: «Eu só trabalho porque gosto, mas não há trabalho e as forças já não são como há 50 anos», refere, acreditando que, «provavelmente, esta arte vai parar porque agora é tudo à máquina».

Além disso, «trabalha-se muito e ganha-se pouco», assegura. «Na aldeia já somos poucos e quase todos de uma certa idade, pelo que me convenço que daqui a uns anos termina mesmo», lamenta o ferreiro, realçando que Donfins tem hoje perto de 20 habitantes, números bem distantes de outras décadas. Na sua opinião, os artesãos não têm capacidade de competir com os preços das ferramentas produzidas industrialmente: «Tudo o que é trabalho tradicional demora muito tempo a fazer-se e depois ninguém quer comprar uma peça muito cara», sublinha o ferreiro, para quem «a gente nova não quer uma arte destas». As suas peças são reconhecidas pela assinatura do “raminho” de oliveira, a marca do primeiro patrão que ainda hoje acompanha Mateus Miragaia. Depois de várias décadas dedicadas ao ferro, a ambição deste artesão é ter saúde: «Quero passar bem os anos que faltam, mas aqui na aldeia», sublinha Mateus Miragaia.

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Sara Quelhas O artesão trabalha o ferro há cerca de 57 anos

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