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A floresta morre às mãos de criminosos impunes

“Ai meu Deus que não chove”, pois claro que não, nem chove nem o oxigénio se regenera, nem o dióxido de carbono é absorvido por um processo esquisito que as árvores aprenderam a fazer sozinhas.

Lembro-me tão bem de, há trinta e muitos anos, ajudar o meu avô nas tarefas agrícolas e recolher, com ele, lenha na serra agreste que nos doava, naquele tempo, o suficiente para alimentar a garganta incandescente da lareira mas sem nunca, nunca por nunca, cortar uma árvore. Já o meu avô dizia que as árvores eram as pessoas mudas, os cordeiros afáveis dos nossos campos, se lhes fizéssemos mal, elas não se iriam queixar, mas as consequências acabariam por surgir.

Pois acabariam…

Somos uns miseráveis, somos uns energúmenos incorrigíveis, todos sabemos que a nossa floresta é dizimada todos os anos por incêndios precisamente porque ninguém consome a madeira excessiva que resultaria da sua limpeza. No entanto, derretemos ao desbarato florestas inteiras constituídas por árvores centenárias perdoadas e poupadas pelos nossos avós ao gume das sacholas e dos podões. Agora, a troco de alguns dinheiros sujos e preguiçosos, vemos as nossas árvores serem entregues a autênticos algozes que as ceifam da vida como alcateia faminta em redor de um rebanho de cordeiros.

Até se poderia perdoar o corte de uma árvore para consumo próprio, excluída a hipótese de isso ser evitável, mas eu, na minha mesquinhice, não tolero, sinto-me mal e doente, não sou capaz de perceber e repudio completamente a venda e abate de árvores viçosas e centenárias que no verão nos presenteiam com uma sombra edénica, uma paisagem de postal e nos enchem os pulmões de oxigénio.

Na minha aldeia, convivo com este flagelo diariamente. A existência de pessoas que apenas por avareza e luxúria entregam aqueles cordeiros do campo aos gumes perversos dos lenhadores chegam a deixar-me eternamente na dúvida: Quem é que cá está a mais?

A legislação urbana e rural e os doutos fiscais podem impedir que eu, na minha habitação não coloque um beirado “assim e tenha que colocar um assado”, tudo em defesa, alegada, do ambiente ou do impacto visual, mas não haverá porcaria de diploma, fiscal ou raciocínio que vislumbre o crime horrendo que é permitir que cem, duzentos ou trezentos anos de madeira caiam por terra numa estridência absolutamente criminosa que só nos pode fazer sentir perante um ato irremediável, devastador e completamente impune?

Um carvalho e um freixo abatido na minha aldeia equivalem a 500 hectares de floresta abatida na Amazónia. Se ninguém quer saber disto, então não se queixem de um deserto que nos há-de engolir.

Fernando Birra, Quintas de São Bartolomeu (Sabugal)

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