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A felicidade à força

Atmosfera portátil

Numa entrevista recente ao semanário Expresso, o conhecido psiquiatra Carlos Amaral Dias, responde assim à pergunta “é um homem feliz?”: “Não acredito no conceito de felicidade. É uma nivelação por baixo daquilo que se pode esperar da vida – e o que se pode esperar da vida é a capacidade de tirar prazer da existência humana, sabendo coabitar ao mesmo tempo com o sofrimento que é inerente à espécie. Felizes, podem ser, talvez, os besouros. A felicidade é um conceito utópico e eu não gosto de utopias.” Então porque é que toda a gente almeja alcançar esta utopia da felicidade?

O sentido da afirmação do psiquiatra faz sentido. Vivemos numa época na qual se vende felicidade ao desbarato. A sociedade do espectáculo e do consumo sugerem e impigem a venda de produtos comerciais e de bens que levam as pessoas a serem, superficialmente, mais felizes. Os livros de auto-ajuda que prometem alcançar a eterna felicidade enchem os escaparates das livrarias. A felicidade é vendida através de livros de filósofos, psicólogos, sociólogos, políticos, religiões, publicidade, televisão, que nos induzem a obrigatoriedade de ser feliz, a todo o custo, adoptando as mais diversas estratégias. Há pessoas verdadeiramente viciadas na busca da felicidade, seja por métodos naturais (como a prática do Yoga ou do Reiki) ou por métodos artificiais (drogas e álcool). O mundo da psicologia inventou até uma nova área de investigação, a chamada “psicologia positiva”, dedicada a encontrar formas de melhorar a felicidade, do envolvimento e do significado. Os psicólogos que praticam esta variante de terapia são pioneiros num novo tipo de ciência, a “ciência da felicidade”, que tenta ensinar-nos a ficar felizes e a razão pela qual o devemos ser.

Daí que venha mesmo a calhar um livro recentemente editado com o sugestivo título “Contra a Felicidade – Em Defesa da Melancolia”, de Eric G. Wilson. Um livro que ruma contra a corrente do pensamento consensual, defendendo que a melancolia e a tristeza são sentimentos inerentes à condição humana e necessários a qualquer cultura florescente, sendo a musa da grande literatura, pintura, música e inovação. E parece que a sociedade quer erradicar esse sentimento melancólico, identificando-o como o grande entrave à tal felicidade utópica. Eis o que diz Eric G. Wilson: “Basta de Prozac nos nossos cérebros. Aceitemos as nossas facetas depressivas enquanto fontes de criatividade. Ao idolatrar o ideal de felicidade, o indivíduo cega-se para o mundo e vacila perante a mais pequena contrariedade. A nossa cultura parece tratar a melancolia como estado aberrante, como vil ameaça à noção de felicidade, como gratificação imediata, felicidade como conforto superficial.”

A dualidade entre sentimentos contraditórios (melancolia/tristeza versus felicidade/alegria) já proporcionou milhares de livros, poemas, ensaios, filmes e canções. O que nos faz sentir mais humanos? O “sentimento trágico da vida”, como defendia Miguel de Unamuno? O ideal eterno da felicidade defendido por tantas correntes espiritualistas e religiosas? No fundo trata-se de uma discussão que se irá eternizar enquanto houver homem à superfície da terra. Seja como for, este livro de Eric G. Wilson representa um abanão face às convenções sociais da actualidade: a pretensão de que a felicidade é o único e insofismável paradigma existencial possível. E não é.

Por: Victor Afonso

A felicidade à força

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