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A falta de bom-senso

Editorial

1. No passado fim-de-semana, alguns dias depois de três pessoas terem morrido num hospital público, a polémica dominante no espectro mediático português foi um jantar no Panteão. Quando era expetável que as elites do comentário, da análise e da opinião dos media portugueses inquirissem e vergastassem o governo sobre a propagação da legionella num hospital do Estado, tivemos um primeiro-ministro “indignado” pela ocupação do Panteão e políticos num “passa-culpas” vergonhoso, sem ninguém assumir que fazer uma festa num monumento nacional não é apropriado mas também não é nenhum escândalo – não foi a primeira vez e não tem de ser a última. É surpreendente como a ignominia das redes sociais tomou conta do pensamento das elites e toda a gente perdeu a racionalidade; o que é verdadeiramente notável é a falta de bom senso e a banalidade do debate.

A WebSummit é uma feira de vaidades e é um evento notável; é uma mostra de parolice e deslumbramento pacóvio, mas também é um encontro de vanguarda, modernidade e tecnologia; é uma reunião de devotos deslumbrados com tudo o que chega de fora e tem nome inglês, mas também é uma cimeira de relevo mundial de empreendedorismo. O abalo que a WebSummit promoveu e o impacto da jantarada no Panteão teve mais a ver com o país dos brandos costumes, do conservadorismo anacrónico do velho Portugal e com o país cheio de atavismo e costumes ancestrais do que com as idiossincrasias do encontro. O Portugal atrasado e analfabeto tarda em dar passo ao país da ciência e do conhecimento, mas a verdade é que o mesmo país que arde pela incúria e pobreza, está entre os países referenciados no relatório do Fórum Económico Mundial como tendo uma economia baseada na inovação, como poucos. O mesmo país onde as novas gerações têm um futuro incerto e têm de emigrar é o país onde há 25 anos havia dois milhões de analfabetos, mas que irradia o analfabetismo e combate com sucesso a info-exclusão e caminha para uma sociedade desenvolvida ainda que com muitas debilidades, constrangimentos e nichos de atraso – e se notabiliza pelo incrível investimento na formação das novas gerações. A WebSummit é de facto uma feira de vaidades, mas é também uma referência e um caminho para o futuro, que só acontece em Portugal porque o país (e não apenas Lisboa) tem já uma comunidade inconformada, informada e empreendedora ao nível dos melhores do mundo. Falta a sociedade, os políticos e os comentadores perceberem isso.

2. O habitual discurso contra a interioridade, da correção de assimetrias, da coesão ou até da majoração aos territórios de baixa densidade está constantemente a ser contrariado pela realidade. Infelizmente são muitas as evidências de falta de apoio ao interior, quando devia haver medidas que promovessem o desenvolvimento equilibrado dos territórios mais desfavorecidos. O país mais desigual da Europa tem todas as formas de desigualdade em prejuízo dos territórios mais pobres e distantes.

A Universidade da Beira Interior tem conquistado o seu lugar entre as melhores universidades portuguesas e inclusive entre as melhores do mundo, graças aos seus méritos e ao trabalho extraordinário dos seus docentes e dirigentes. Porém, pelas regras incompreensíveis e pela falta de coesão territorial, a UBI sofre de uma enorme discriminação negativa: a suborçamentação. A UBI tem 6.846 alunos e recebe do OE por aluno 3.534 euros, muito menos do que as demais universidades. O problema não é as outras receberem mais do que a UBI, mas o facto de receber muito menos (a Universidade de Évora, por exemplo, com tantos alunos como a UBI recebe do orçamento de estado mais de cinco mil euros por aluno). Não há futuro para os territórios de baixa densidade sem discriminação positiva e não se pode contrariar o despovoamento e o atraso do interior, como neste caso, sem medidas de coesão, proporcionalidade e igualdade. Para começar, o mínimo que se deve exigir é que a UBI receba de forma equitativa.

Luis Baptista-Martins

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