P – Quais os impactos da exploração mineira na Serra da Argemela?
R – Os impactos serão de vária ordem: o facto de se tratar de uma mina a céu aberto e em profundidade, em encosta voltada para a aldeia de Barco e com uma dimensão de 45,2 hectares, implica desde logo um tremendo impacto visual. A este facto estarão associados a poluição do ar resultado da exploração em si e da maquinaria usada, a contaminação direta dos lençóis freáticos da Serra da Argemela, a contaminação dos solos e, pela ação do declive, a contaminação inevitável do Rio Zêzere. Para compreender a dimensão assustadora do problema basta analisar a extensa lista dos quinze recursos minerais a explorar que constam no pedido da empresa e os respetivos métodos de tratamento, que recorrem a substâncias tóxicas tais como o arsénio, o cloro e o mercúrio. Também a poluição sonora será uma constante, não apenas a derivada do funcionamento da maquinaria (por exemplo, a lavaria contempla a laboração 24h sobre 24h), mas também a inerente ao uso de explosivos para o desmonte – o facto da aldeia do Barco se situar defronte para a serra, em disposição de “anfiteatro”, aumenta exponencialmente o efeito do som, assim como das vibrações. Mas para além de uma mina a céu aberto, a proposta da empresa apresenta outras valências, tais como: uma zona para deposição de rejeitados (que poderá funcionar como barragem) com uma área de 20,46 hectares, uma área para a lavaria (7,69 hectares), uma escombreira a este (38,57 hectares), uma escombreira a oeste (30,5 hectares), uma escombreira a sudoeste (75,68 hectares) e uma enorme área de 185,61 hectares para vias de acesso às valências atrás descritas.
No total, esta enorme área de 403,71 hectares implicará a destruição de praticamente toda a vertente norte da Serra da Argemela, com a agravante de, com a serra, ser também destruído todo um legado arqueológico que ainda se encontra por estudar e valorizar, além de descaracterizar por completo e irreversivelmente toda a envolvência do Castro da Argemela, estrutura arqueológica da Idade do Bronze que se encontra no cume. A estes impactos, há que acrescentar também a desvalorização do património urbano e rústico, assim como o prejuízo em todos os investimentos de turismo rural em curso, que não terão continuidade.
P – Foi constituído o “Grupo pela Preservação da Serra da Argemela”, o que tem sido conseguido até aqui?
R – Esta luta já tem um ano: desde que redigi e pus a circular a petição “Pela Preservação da Serra da Argemela/ Contra a Extração Mineira” que a esta causa se juntou um grupo de pessoas, e sob a coordenação da Junta da União de Freguesias de Barco e Coutada, conseguimos também o apoio de Lavacolhos e Silvares, as outras duas localidades que se inscrevem na área total de concessão, dando assim origem ao grupo. Para além de ações de sensibilização junto das pessoas em geral, obtivemos o apoio de todos os presidentes de Juntas do concelho da Covilhã e, consequentemente, do próprio município. No seguimento, e dado que as freguesias de Lavacolhos e Silvares pertencem ao concelho do Fundão, conseguimos que este município também manifestasse a sua oposição à realização deste projeto mineiro que claramente põe em causa a qualidade de vida em ambos os concelhos. A petição seguiu para a Assembleia da República, foi aceite e foram convocados para audição na Comissão Parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação os presidentes dos municípios da Covilhã e Fundão, os presidentes das Juntas de Barco e Coutada, de Lavacolhos e de Silvares e eu, enquanto primeira peticionária, e a posição foi unânime: todos manifestaram a sua oposição à concessão do projeto mineiro da empresa PANNN, Consultores de Geociências, Lda.. Desta audição foi elaborado pela Comissão um relatório e os deputados da mesma redigiram projetos de resolução que, na generalidade, corroboram a posição da petição que deu origem a todo o processo. De momento, aguardamos a redação de um texto conjunto, que posteriormente será discutido em plenário na Assembleia da República.
P – Têm previstas mais ações de protesto?
R – O “Cordão Humano” do passado 4 de março marcou um ano sobre o início da luta pela preservação da Serra da Argemela. De momento, a Agência Portuguesa do Ambiente já deu “luz verde” à realização do Estudo de Impacte Ambiental, pelo que estamos alerta não descartando que, durante este processo, não diligenciemos esforços para a realização de uma manifestação em Lisboa, pois é em Lisboa que tudo se decide. Se no “Cordão Humano” contámos com a presença de centenas de pessoas, em Lisboa a Argemela contará certamente com milhares.
P – Foi aprovada, na Assembleia Municipal da Covilhã, uma moção contra a exploração mineira na Argemela. O que pode resultar dessa aprovação?
R – Já conseguimos sensibilizar e mobilizar os grupos parlamentares no apoio à causa da Argemela; esperamos que a moção aprovada por maioria na Assembleia Municipal da Covilhã, a moção aprovada por unanimidade na Assembleia Municipal do Fundão e a moção aprovada por unanimidade na Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Barco e Coutada mobilizem, em conjunto, o Presidente da República, o primeiro-ministro, o ministro da Economia, o ministro do Ambiente e o diretor-geral da Direcção-Geral de Energia e Geologia no sentido de ponderarem a concessão desta exploração mineira que irá prejudicar direta e indiretamente a vida de milhares de pessoas. O interior do país já foi por demais sacrificado nos últimos anos e a implantação deste tipo de explorações, a centenas de metros de localidades povoadas, em nada contribuirão para o combate necessário à desertificação; antes pelo contrário, só irão agravá-lo. Não pretendemos que só se lembrem de nós quando nos acontecem desgraças, e desgraça é escavarem uma cratera à nossa porta não prezando o direito à qualidade de vida consagrado a cada cidadão deste país pela Constituição Portuguesa.
P – No entanto a votação contou com seis abstenções do CDS e CDU. Como vê essa posição?
R – Como tive oportunidade de dizer no período reservado à intervenção do público, infelizmente ainda existe o estigma de que as pessoas que residem nas aldeias são iletradas, que não entendem os problemas com que se deparam e que agem por paixão. Creio que só este estigma explica as abstenções porque não quero pensar que as mesmas derivaram de puro desconhecimento de todo o processo e do que efetivamente está em causa: a vida de pessoas. No entanto, e como fiz questão de salientar, o facto da Assembleia Municipal do Fundão, onde se localiza cerca de 25 por cento da área de concessão, ter aprovado a moção apresentada pelo BE por unanimidade, e a Assembleia Municipal da Covilhã, concelho onde se situam os restantes 75 por cento, ter aprovado a moção apresentada pela Junta de Freguesia de Barco e Coutada com seis abstenções é uma vergonha que deriva, em meu entender, de visões puramente economicistas que nem sequer consideram o direito à opção de vida e à palavra “não” fundamentada. Falando em CDU, e convém destacar, o Partido Ecologista “Os Verdes” está absoluta e integralmente com a Argemela.
Perfil:
Porta-voz do Grupo pela Preservação da Serra da Argemela
Idade: 41 anos
Naturalidade: Elvas
Profissão: Professora universitária/ historiadora da Arte/ pintora
Currículo: Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa; Mestre em Arte, Património e Teoria do Restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutora em História, na especialidade de História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Professora auxiliar convidada na Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior
Livro preferido: “Baudolino”, de Umberto Eco
Filme preferido: “Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain”
Hobbies: Leitura
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