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A ética, a política, a convicção e a pouca vergonha

Agora Digo Eu

«Duas coisas enchem-me o ânimo de admiração – o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim».

É desta forma que Kant na “Crítica da Razão Prática” aborda (quase) todos os aspetos do pensamento humano onde o imperativo ético é mais que evidente. Se a liberdade é um princípio fundamental da condição humana, a ética está para o mundo e para o regime democrático como o respeito que o Estado tem de ter na procura de uma vida digna para os seus cidadãos.

A ética não pode nem deve ser confundida com a lei ou a moral, atribuindo-lhe o princípio definido por Aristóteles como sendo a ciência moral, onde implicitamente temos de aceitar o modo de ser e o carácter, pois admitindo que a liberdade é o princípio elementar do Homem, esta ciência só pode ser entendível na condição de viver e conviver em sociedade, baseando-se no respeito pelas várias culturas e responsabilizando-se cada indivíduo pelas escolhas que efetivamente faz.

Ética e política estão intimamente ligadas. A ética desemboca na política e subordina-se na justa medida em que a vontade individual tem obrigatoriamente de se subordinar à vontade de toda uma comunidade.

Daí ser perfeitamente compreensível que quem gere a urbe tem forçosamente de ter em conta um conjunto de fatores que determinam uma vida limpa onde encaixem princípios e valores que nunca poderão ou deverão ser postos em causa. Um líder é um líder e quando assume tem conscientemente de saber se o pode (ou não) ser.

Na perspetiva quotidiana, dizer mal dos políticos é uma forma caricata de descarregar o que nos vai na alma, tendo a discussão, qual conversa de café, êxito garantido. Curioso, ou talvez não, é perceber que muitos deles tudo fazem para que tal aconteça, interessando-lhe o visível distanciamento entre eleitos e eleitores, a maioria para justificar o seu oportunismo e notória mediocridade, nessa diferença entre a promessa e a sua concretização.

Thomás Thevenoud, ministro do Comércio de Hollande não entregou a declaração de impostos. Pagou e demitiu-se. A ministra da cultura sueca (quase) não aqueceu o lugar. Cecilia Stego Chilo tomou posse a 6 de outubro de 2006 e demitiu-se a 16 do mesmo mês. Em causa o não pagamento da taxa do audiovisual e as contribuições devidas à Segurança Social da sua empregada doméstica. O ex-primeiro de Itália, o polémico Berlusconi, foi condenado por fraude fiscal. O ex-primeiro da Irlanda abandonou por fraude fiscal. Manuel Pinho por um gesto, Carlos Borrego, em 1993, por uma anedota. Santana Lopes, por vários episódios entre os quais inúmeros erros na colocação de professores, atraso no arranque do ano escolar e falta de coordenação. O episódio Henrique Chaves foi o transbordar do copo.

Pois é, na política não cabe tudo. Na política não vale tudo. E nem o melhor argumento consegue justificar o que é visivelmente injustificável.

A política é uma arte. De convicções e firmeza ética. É a ciência de saber dar felicidade ao povo. Mas também é um jogo. Stefan Zweig em “José Fouche” define-a como sendo «o mais apaixonante de todos os jogos». E como todos os jogos tem regras. E quem as quebra ou viola sabe perfeitamente o que acontece. Não é nem pode ser considerado apenas um qualquer modus vivendi. A sua vivência determina uma entrega permanente tendo em conta um percurso de vida completamente límpido e transparente, percebendo se assim não for, é forçosamente o rio sem regresso. A saída, a demissão, o abandono imediato.

Sá Carneiro tinha inteira razão: «Política sem ética é uma vergonha».

Neste processo, ainda sem fim à vista, torna-se extremamente difícil convencer, alguém, de grande vivência e conhecimento empírico, feito ao longo de um enorme percurso político (quase vinte anos), que assuma agora e neste preciso momento postura de Estado, aconselhando todos os outros, de outra geração, à leitura da “Ética para um jovem”, do espanhol Fernando Savater. Tenho absoluta certeza que apreenderiam alguma coisa.

Por: Albino Bárbara

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