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A desigualdade tem muitas faces

Sociedades muito desiguais funcionam pior e sociedades onde as desigualdades se eternizam, conservadas de geração em geração, são injustas. As primeiras porque são mais desconfiadas, seja verticalmente, com falta de confiança nas instituições, seja horizontalmente, com falta de confiança entre os próprios concidadãos. Quanto mais desigual é uma sociedade mais tende a fechar-se sobre si mesma, por exemplo confiando mais em laços de família e economia paralela do que em provas de competência e pagamento de impostos. As segundas – sociedades desiguais que se conservam no mesmo estado de geração em geração – são injustas porque confundem a retribuição de mérito de uns com a supressão de oportunidades de outros nas gerações vindouras. A justiça social deve garantir que, no que depender de nós, não leguemos às gerações futuras um horizonte de oportunidades mais estreito do que o que recebemos. Precisamente, o que não está a ser conseguido desde há décadas em toda a parte do mundo, seja desenvolvida, em vias disso, ou muito longe disso.

Em razão deste estado de coisas, há um sentido de responsabilidade social que deveria animar a máquina do Estado: não contribuir com os seus atos para uma ainda maior e mais consolidada desigualdade. Deveria ser assim, por exemplo, com a Justiça onde infelizmente “fazer-se justiça” é caro e, portanto, uma possibilidade vedada a muitos. Deveria ser assim, também, com a máquina fiscal. Infelizmente, não é assim. Uma pessoa distrai-se com o pagamento do IUC e paga-o por iniciativa própria pouco depois, mas é claro que o atraso não passa despercebido às Finanças, que logo mandam para casa uma multa de 25 euros ao contribuinte distraído. E o melhor é pagar ou a coisa pode piorar muito. Mas lá as Finanças darem conta de 10 mil milhões de euros em fuga – um número assim 10.000.000.000! – é que nada.

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado assume responsabilidades políticas, mas onde estão as justificações dos ministros de então? E de que serve um mea culpa se não se apurar as motivações para o sucedido. É caso para se dizer: a desigualdade tem muitas faces. Para as Finanças, este país não é para distraídos, o que até se admitiria, tal a necessidade de fazer receita por meios lícitos. Por irritante que seja, somos responsáveis pelas nossas distrações. Mas, se a Autoridade Tributária não perdoa distrações ao comum cidadão, como se permite distrações quando são euros com muitos zeros à direita que escapam para offshores? É precisamente a autoridade que traz no nome que se perde.

Por: André Barata

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