A ideologia não está na moda. Foi engolida pela voraz e simplificadora era instantânea das redes sociais. A democratização trazida pela internet deu palavra a todos quantos queiram, ou possam, aceder às redes. Mas não trouxe mais democracia. Pelo contrário, deu força aos seus maiores inimigos: demagogos e populistas. Estes não discutem com base em valores ideológicos, que veem como inadequados e decadentes. Por isso travam as suas batalhas num alegadamente higienizador campo que opõe o “nós, os reais representantes do povo” ao “eles, a corrupta classe política”.
A tese da pós-ideologia foi o campo fértil desta realidade. Uma tese proporcionada pelo empiricamente não confirmado fim da história que deu lugar a uma nova teoria não teorizada, mas por quase todos adotada. Esta estabeleceu que a evolução tecnológica disseminada pelo globalismo unipolar levaria à desideologização e despolitização das sociedades que, aí sim, alcançariam um patamar de evolução suprema.
Serve esta (longa) introdução para preconizar a relevância da ideologia no debate político. Porque só através desta o eleitorado (o português ou outro qualquer) pode decidir com base em alternativas claras. E porque sem ideologia as posições declaradas são plásticas, volúveis. É também por estas razões que o 22º Congresso do PS deste fim-de-semana assume particular importância.
Dois destacados membros do atual Governo, o secretário de Estado Pedro Nuno Santos e o ministro Augusto Santos Silva, são os rostos da discussão ideológica em curso no seio do Governo e do PS. Enquanto Santos Silva defende uma esquerda moderada e europeísta que não deve enterrar o legado da “terceira via”, Pedro Nuno Santos rejeita a visão “blairista” que considera responsável pela erosão que a social-democracia enfrenta na generalidade da Europa.
Não tomando partido neste debate sobre o futuro, parece acertado o diagnóstico feito por Pedro Nuno Santos sobre a principal razão para que o PS não sofra dos males dos seus congéneres europeus. Foi com as posições conjuntas assinadas em 2015 com PCP, BE e PEV que os socialistas deixaram de olhar somente para a classe média, voltando a zelar pelos direitos do (decrescente) operariado e atendendo a uma nova realidade: os cada vez mais trabalhadores precários.
Na Grécia, na França e, agora, na Itália, os sistemas políticos tradicionais implodiram em resultado do afastamento dos partidos sociais-democratas relativamente aos seus eleitorados. O caso italiano é o mais perturbador porque as forças sociais-democratas foram varridas do mapa e substituídas por duas forças antissistema e populistas. É olhar para a distribuição dos votos e ver como jovens (precários) e operários (empobrecidos), ambos muitas vezes sem emprego, escolheram o 5 Estrelas e a Liga.
É também por isso que a posição de Pedro Nuno Santos é oportuna, defendendo que o Estado tem de intervir decisivamente nos mercados, quer limitando o papel dos privados em serviços públicos universais, quer melhor regulando noutros. O que não é conversa esquerdista. O liberal britânico Tony Judt alertou atempadamente para os perigos da mercantilização dos serviços públicos, em concreto dos transportes públicos, mas também da saúde e educação. Tinha razão, mas não foi ouvido e quem hoje tira dividendos políticos do que correu mal é Jeremy Corbyn, um político que quis regressar ao debate ideológico.
Por: David Santiago