Incomoda-me por várias razões a recente demissão de Américo Rodrigues do seu cargo de director do Teatro Municipal da Guarda (TMG). Os factos a que tive acesso, pelos blogues, pelo Facebook e pelas edições online dos jornais locais, são pouco esclarecedores. O que foi transmitido para o público é mais ou menos isto: estava marcado um espectáculo para o dia da Cidade, com orçamento aprovado pelo anterior executivo, que iria custar onze mil euros; este preço incluía o cachet da artista, o IVA, as despesas da artista e da sua equipa e as despesas com a sala de espectáculo (que se iria realizar no TMG); por alguma razão a despesa violaria a Lei dos Compromissos (que proíbe assumir compromissos para os quais não existam fundos), pelo que a deliberação foi revogada pelo actual executivo; entretanto, e até porque a violação do contratado com a artista obrigaria a uma indemnização, o espectáculo foi mantido mas a menos de metade do preço inicialmente previsto – e teria sido Américo Rodrigues a sugerir que era possível fazê-lo por esse preço; Álvaro Amaro vai dizendo que a deliberação do anterior executivo era um exemplo do que se não deve fazer e que a partir de agora quem fizesse algo de parecido seria criminalmente responsabilizado. Américo Rodrigues convoca uma conferência de imprensa, suponho que para explicar tudo, sendo de imediato demitido por Álvaro Amaro. Temos assim que o anterior executivo e Américo Rodrigues são os maus da fita e haveria um desperdício de dinheiros públicos se não fosse a oportuna intervenção do novo presidente da câmara.
E porque cheira tudo isto tão mal? Em primeiro lugar porque não se demite assim alguém como Américo Rodrigues. A cidade e a Câmara Municipal devem-lhe muito. Até ele assumir funções como director do TMG a Guarda era falada lá fora sobretudo pelos casos de polícia e agora temos uma vida cultural invejada por muitas cidades maiores do que a nossa. Para além disso o Américo é um performer e poeta internacionalmente conhecido e admirado. Seria assim obrigatório, antes de o demitir, que se lhe dar uma oportunidade de explicar publicamente as suas razões, e este é o segundo aspecto da história que me incomoda. Foi como se a história já montada fosse demasiado boa para poder ser estragada com uma versão diferente dos factos. Somamos assim à ingratidão a censura. Em terceiro lugar, as contas iniciais do espectáculo, supostamente inflacionadas, previam o pagamento da utilização da sala pela Câmara ao TMG, o que significa no fundo que o dinheiro a mais sairia de uma mão para entrar na outra. Uma vez que a Câmara é a principal financiadora do TMG, não se percebe muito bem a razão de tanta histeria.
A última coisa que me incomoda é a forma como a cidade e a sua comunicação social têm tratado o assunto. A forma acrítica como se tem dado de barato que as contas do espectáculo estavam mal feitas é preocupante, mas o facto de ninguém se parecer incomodar muito com a forma como o Américo Rodrigues foi silenciado e demitido é uma vergonha colectiva.
Por: António Ferreira