Arquivo

A criação da editora Côa-Águeda – uma história de loucos

Decidir lançar uma editora num dos lugares mais periféricos de Portugal poderá parecer uma história de loucos. Aceitar ainda que um livro do signatário destas linhas – “Viagens na minha infância – Lembranças romanescas” seja publicado por uma editora recém nascida e periférica é também um gesto louco. A loucura é, portanto, uma dominante neste evento raiano da criação da Editora Côa-Águeda e do lançamento do livro de Joaquim Tenreira Martins que foram festejados perante numeroso público, numa cerimónia que teve lugar na Casa do Povo de Vale de Espinho a 14 de Agosto.

Sim, porque esta loucura tem de ser assumida publicamente. É por isso que um grupo de loucos decidiu lançar uma plataforma que tem por nome “da cultura para o desenvolvimento”, onde se afirma acreditar loucamente nos valores das suas gentes que tiveram de deixar o interior por imperativo dever de sobrevivência, mas que voltam ao menor evento cultural a ter lugar nestas aldeias, tanto na parte da raia espanhola como na portuguesa.

Quem é que pretendeu desenvolver o interior de Portugal, baseado apenas no turismo, tentando vender as suas magníficas paisagens, horizontes sem fim e gentes acolhedoras. Essa é que é uma ideia de verdadeiros loucos. Só quem ande com os olhos tapados é que ignora que paisagens e horizontes belíssimos existem muitos e muito mais belos noutras paragens, longe de Portugal. Mas um louco português ou estrangeiro deslocar-se-à ao interior se aí tiver um programa louco de cultura, de tradição e de arte. Consumirá cultura e forçosamente turismo, comendo, bebendo, dormindo, lazendo.

A editora Côa-Águeda, que nasceu num dia primaveril, perto da Serra das Mesas onde estes mesmos rios têm a sua fonte, e os seus fundadores, espanhóis e portugueses, fazem um apelo aos seus filhos dispersos um pouco por toda a parte para que as suas ficções artísticas e literárias possam voltar à terra onde nasceram e irradiar a partir daqui. À semelhança da que aconteceu na pequena aldeia de Fóios, que tem uma plêiade de escritores, qual deles o mais valioso, que não conseguiu editor para os seus manuscritos, tenho a certeza de que o mesmo se passará noutras terras do interior. A editora Côa-Águeda abre-lhes as portas.

O interior é motivo de inspiração para todo o domínio artístico. As artes precisam de sossego, de paz, de espaços livres e de horizontes a perder de vista.

A raia beirã e a sua congénere espanhola é um oásis onde a natureza é mãe e rainha. Portugal está virado unicamente para Lisboa. Ela é o centro, o resto é o interior.

Côa-Águeda, com a sua sede provisória em Fóios, na parte portuguesa e em Ciudad Rodrigo, na espanhola, é uma atitude de protesto e de apelo a todos os que pretendam modificar este estado de coisas.

Como dizia Miguel Torga, “pode ser que o exemplo seja seguido e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia porque Portugal necessita urgentemente de ser repovoado”.

A editora Côa-Águeda nasce de mãos dadas com uma outra editora sediada no Porto – O Progresso da Foz – que, paralelamente à sua actividade editorial, tem um interessante passado cultural, literário e jornalístico.

Neste contexto , tivemos a preciosa colaboração do Dr. Joaquim Pinto da Silva, director do Progresso da Foz, que numa atitude cívica fora do vulgar, nos abriu as portas para que esta inicial loucura se tornasse numa realidade sadia, voluntariamente utópica, claro, com carradas de razão para apelos e protestos, e apenas com um credo na boca a afirmar que a cultura traz necessariamente o desenvolvimento.

Obrigado, Dr. Joaquim Pinto da Silva, desde já acolhido como cidadão honorário das nossas terras, por esta abertura franca e leal para com o povo raiano português e espanhol.

Por: Joaquim Tenreira Martins

Sobre o autor

Leave a Reply