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«A Covilhã é hoje uma cidade mais aberta e progressiva»

Cara a Cara – Covilhã

P-Que memórias guarda da cidade?

R – Eu vivi na Covilhã em dois períodos distintos da minha vida. O primeiro foi até aos 12 anos. Na cidade só existia liceu até ao terceiro ano, pelo que tive de me deslocar para Lisboa, onde passei a minha adolescência. Mais tarde, fui para Inglaterra e formei-me em Engenharia Têxtil. Em 1956 regressei à Covilhã. Desse período guardo, naturalmente, boas recordações mas também muito más lembranças. Foi muito difícil adaptar-me ao mundo fechado que era a Covilhã daquela época. Era uma cidade normativa, dogmática, restritiva, cheia de intrigas, resultantes da decadência da própria indústria. Existia uma mentalidade nova-rica muito fechada. Dei-me muito mal na cidade e também na empresa da minha família, pelo que acabei por sair em 1965. Hoje acredito que a única experiência positiva que tive na Covilhã foi quando dei aulas de Debuxo na Escola Campos Melo. Por tudo isto, as memórias que tenho da cidade são um misto muito complicado. Por um lado, guardo uma sensação de grande repressão e enorme atrito, mas, ao mesmo tempo, ficou-me dessa época o gozo de ser jovem e as lembranças de um grupo de amigos extraordinário, como o José Alberto Marques, o Manuel Ramos Costa e outros. Juntos, formávamos um grupo da “maldade”. Com o tempo, sinto que as recordações positivas se começam a sobrepor às negativas. Actualmente, admito que a cidade está completamente diferente, mais aberta, progressiva, existe um urbanismo com cabeça. Eu lembro-me de uma cidade medieval e inabitável.

P- Tem formação na área do têxtil. Como encara a situação difícil que as indústrias têm vindo a atravessar, sobretudo nesta zona?

R- Recordo-me de existirem na Covilhã mais de 210 instalações fabris, que empregavam cerca de 13 mil trabalhadores. A Praça da Covilhã era a mais rica e bem abastecida de toda a Beira. Toda esta realidade começou a diluir-se com o tempo. Eu trabalhei muitos anos na indústria têxtil em todo o país e fui o primeiro consultor da área, trabalhava como “freelancer”. Acredito que o principal problema diz respeito a um obsoletismo empresarial que conduz, naturalmente, a um obsoletismo de equipamentos. A pouco e pouco, fomos matando as possibilidades de conservar a indústria têxtil e ganhar uma nova competitividade. Na altura a que me referia atrás, o volume global, em termos de produção têxtil, era responsável por 10 por cento do Produto Nacional Bruto. De repente, tudo se começa a desmoronar. Neste momento, não há soluções, a menos que as empresas que ainda existem façam uma grande corrida para apanhar a concorrência internacional. O que ainda resta é valioso e tem de ser preservado. Antigamente, faziam-se artigos de grande qualidade, com uma incorporação de “saber fazer” e de sabedoria têxtil que permitiam valorizar os tecidos. Em Portugal, não se importavam artigos, porque se fazia cá o melhor da Europa. Recordo-me de ver tecidos portugueses nos grandes alfaiates e nas grandes lojas de Londres.

P- Que opinião tem do mundo das letras na região?

R- Eu não partilho daquela visão negativista que é, muitas vezes, acreditada. Estas Jornadas Literárias, por exemplo, constituem um evento de grande importância. Neste momento, predomina no nosso país uma falta de convívio entre os escritores portugueses que antigamente existia. Em Lisboa, as pessoas passam anos sem se encontrarem. Eu vim à Covilhã rever pessoas que já não encontrava há mais de dez anos e que conheço desde sempre. Este evento é notável e é importante que se faça numa cidade como a Covilhã. Soube que para o ano está a ser pensada a hipótese de se trazerem autores brasileiros, o que é extraordinário. Sou um adepto da intercomunicação em todo o espaço da língua portuguesa. Aliás, o meu doutoramento em letras, que fiz em São Paulo, vai de encontro ao espaço interlinguístico do português, nomeadamente da poesia.

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