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A confissão

1. O presidente da Câmara da Covilhã veio confessar, insuspeito, o que há muito se sabe: perdeu o controlo da situação no Município. Para ser convincente, recorreu neste jornal e na última Assembleia Municipal, à célebre declaração da Rainha de Inglaterra, em discurso de novembro de 1992, de que este teria sido um “annus horribilis” (sic). À época eventos trágicos atingiram a monarquia: divórcios em família, incêndio no Castelo de Windsor, redução da lista de pessoal ao serviço, morte do cão favorito e, numa visita a Dresden, Alemanha, até ovos moles a terão atingido… De facto, tudo muito parecido com o que tem acontecido na Câmara da Covilhã desde novembro 2013, excetuando este último detalhe. Vejamos as razões.

2. Em setembro deste ano, em plena sessão municipal, presidente e vice-presidente, depois de meses inenarráveis, declararam divórcio litigioso, acusando-se mutuamente de “traição” e de “golpe de estado”. O primeiro retirou todas as competências executivas ao segundo, embora permaneçam debaixo do mesmo teto. Em 24 meses, nas empresas municipais ICOVI, ADC, PARKURBIS, a rotação de administradores é muito superior às entradas e saídas nos folhetins da “Quinta” da TVI. Seguiu-se a chegada da Judiciária, abrindo Inquérito ao “acordo” longamente premeditado, que desobrigou familiares do camarada presidente da Assembleia Municipal, Santos Silva, de pagar cerca de 400 mil euros, decididos por acórdão da Relação de Coimbra. O Tribunal de Contas estará a investigar o escândalo da lista de mais de uma centena de contratações, verdadeira coleção de familiares e amigos do partido. O caos na tesouraria municipal é tal que as iluminações deste Natal só chegaram a oito dias da Consoada porque o crédito desta Câmara vale zero. Como se pode verificar, as semelhanças com vicissitudes da monarquia britânica, constituem uma verdadeira internacionalização da tragédia “horribilis municipalis”.

3. Por mim, estou certo que o verdadeiro objetivo do presidente da Câmara, com o recurso a esta citação, não era confessar fracassos, mas fazer ciente o povo, de quão “ciclópicas” foram as tarefas no município covilhanense durante estes dois anos perdidos. Por exemplo, os elevadores e funiculares (muito procurados pela população, contra a vontade de Pereira) estão habitualmente parados. Mas tudo por causa de cabos e parafusos que ele julgava eternos quando, afinal, são máquinas que precisam de manutenção. A barragem foi sonho destruído como se previa. Mas na encosta há kms de novas condutas para aduzir ar e vento. As refeições nas escolas deixaram de ser gratuitas e os transportes dos idosos foram reduzidos ao mínimo. Mas a Covilhã entrou numa coisa chamada do “Iluminismo”, que dará umas passeatas culturais pela estranja em grande. As Juntas de Freguesia recebem com atraso de meses, quando antes recebiam o trimestre adiantado. Mas deste modo os autarcas exercitam a virtude da paciência. A fatura da água não foi reduzida como prometido, mesmo com lucros substanciais na ADC. Mas há notícia que o líquido continua a escorrer das torneiras.

Ora tudo isto quereria ele transmitir ser “obra” desta Câmara, com apoio do vereador a tempo inteiro do PSD, Joaquim Matias, que, nesta coligação desastrosa, por puro interesse pessoal, vendeu a alma ao diabo.

4. “Annus horribilis” disse então o presidente da Câmara. Mas como podia ser de outra sorte? Em novembro 2013 entrou a matar desejoso de “ajuste de contas” com o passado, em que perdeu duas vezes as eleições. Chegou e pediu uma auditoria geral e também uns pareceres a amigos juristas daqui e dali, sobre as Águas da Covilhã e outras miudezas. Logo ali estoirou mais de 400 mil euros que jazem no lixo. A centena e meia de empregos de favor, em “outsourcings”, horas extraordinárias e ajudas de custo já levaram mais de 2 milhões de euros da tesouraria e chegarão a 4 milhões até final do mandato. Uma simples expropriação com decisão judicial em 2014 e que se arrastava nos tribunais desde 2008 (coisa também inaudita para o edil) acabou com pesada sanção de juros, por pura apatia decisória. De tal sorte, que até o tal ex-vice-presidente da Câmara em divórcio se recusou a votar o pagamento. Prometeu ao Ministério da Justiça novas instalações para o Tribunal de Trabalho sem cuidar de respeitar contratos e pagar o que deve a quem tem direitos sobre as mesmas. Acabou em desculpas tontas e mentiras avulsas. Andou a brincar com o Tribunal Arbitral do Silo-Auto e acabou levando com uma condenação já neste mandato de 8,8 milhões de euros, depois de recusar a solução negociada e inócua para a tesouraria municipal que lhe deixei já em 2013. Um simples Contrato de Arrendamento até 2042 que, com a receita de exploração se pagava a si próprio. Não satisfeito com a gestão ruinosa do

dossier, e a sentença que sempre desejou, ainda celebrou um acordo a pagar em 10 anos, que ninguém no seu perfeito juízo aceitaria, e que custará no final 13 milhões (ficando nas mãos dos bancos).

5. No final de todas estas trapalhadas, confessa o autor o carácter horrível do tempo que passa e, acrescento eu, do que vem até final do mandato. Em 2017, nada restará a não ser um futuro comprometido por decisões erradas, na base da gestão mesquinha e pequena de oposição ao passado. Zero de obras, zero de investimento e criação de emprego, a não ser na Câmara atafulhada de amigos e amigas. Desorganização de estruturas e desmotivação geral de quadros administrativos. Por isso, o autarca que se lembrou de citar uma soberana estrangeira talvez devesse lembrar-se do soberano povo covilhanense a quem não prometeu desculpas, mas dias normais de progresso na gestão municipal. Como era sua obrigação, se por acaso fosse capaz. Está à vista a impossibilidade.

Carlos Pinto, carta recebida por email, Covilhã

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