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A condição Torga

Ler para Querer

Graças a Claire Cayon e a outros, que vieram depois, quanto caminho percorrido desde 1970: em Paris onde segundo Balzac “règnent les beaux esprits”, José Corti, recusava-se a publicar Miguel Torga que julgava, na altura, “medievaloide”, pintor sinistro de uma longínqua realidade provinciana.

Que ironia! Hoje, Torga, está traduzido para duas dezenas de línguas.

“Há, pelo menos, duas boas razões para falar de Miguel Torga: a de escrever e a de ser um português dos quatro costados, que rejeita e ridiculariza algumas feições consideradas características do homem e do escritor português”. Toda a sua obra é expressão coesa: “(…) a minha vida de escritor é tão una (…)/(…) uma obra é uma estrutura única e total”,embora multifacetada de um indivíduo bem definido, no sentido de ser ciente dos seus tropismos: terra/mar. “Torga escolhe ,sem hesitação, a terra, a Grande Deusa Mãe a que presta um culto permanente”.

Português e europeu regional, mas universal e profundamente “ibérico – apresento-me como português hispano que sou”-, dilacerado entre a nebulosidade atlântica e a claridade mediterrânica. Homem da “Terra firme” e sofredor da incessante sedução do “Mar” que, quando o evoca, o define como “caminho de perdição não de salvação”.

Torga ergue sua voz para prestar um culto, tónica constante em sua obra, a um “Deus de Terra” à “Terra Mãe”, desnudando, assim, seu objectivo, seu compromisso com a vida – revelar ” a verdade dos tojos e das leivas”, in Contos da Montanha. Trata-se de uma Literatura preocupada com a perfeição formal, mas enigma da leviandade do pitoresco, da emoção pela emoção, ou como componente de uma tese apriorística.

Torga fala do que conhece de dentro, seres, lugares ou situações, com respeito, tentando compreender, sem mais juízos de valor que o reclamado pela justa economia do que se quer dizer, harmonizando sempre o médico – Adolpho Rocha – e o escritor – Torga – para a Literatura -. Revela-se uma escrita sem postiços, mas, sobriamente, carnal, “arraçada toda ela de músculos e frémitos contidos de uma rusticidade requintada que deita um cheiro a bicho livre e selvagem”.

Miguel Torga simboliza a tenacidade e a total entrega ao ofício de escritor cuja “criação é um acto sagrado” e para quem a esperança de glória se manifesta na afirmação de que “vaidade do escritor reside realmente em ser lido, que é o que eu quis sempre” – refere o autor. Eis, pois, a mais singular homenagem que se pode prestar ao escritor: ler Torga.

Por: Margarida Mateus

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