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A comissão liquidatária

Crónica Política

Disseram-nos que estávamos de tanga. Previram a nossa eminente queda em precipício financeiro, caso insistíssemos em caminhar em frente. Exigiram-nos sacrifícios e impuseram-nos dificuldades, prometendo choques fiscais e défice zero.

Pensávamos que um governo que fez do discurso da tanga, o mote central da sua acção, se preocupasse em arranjar um qualquer fatinho, mesmo de feira, com que cobrisse a propalada nudez das finanças nacionais.

Mas, eis que, com surpresa, verificámos que o executivo actual, longe de fabricar fatos à medida da necessidade nacional, se dedica, antes, a encurtar cada vez mais a “tanga”.

É altura de gritar que este governo vai nu!

Ao que indica o último relatório sobre a execução orçamental publicado pela Direcção Geral do Orçamento, o país já está de “ fio dental”, dificilmente cobrindo as suas partes pudendas com o que resta da “tanga”.

A última síntese da execução do orçamento de estado (Janeiro a Outubro) aponta dois factos preocupantes. Por um lado, o governo de direita mostra-se impotente para arrecadar as receitas fiscais que orçamentou, por outro, não conseguiu diminuir as despesas, como prometeu.

A receita corrente do estado, segundo a Direcção Geral do Orçamento, revela uma quebra de 3, 1% até ao passado mês de Outubro. Curiosamente, a principal falta de previsão nas receitas deve-se à diminuição do IRC em quase 23%, contra as receitas de IRS que subiram cerca de três por cento. Para este governo os pobres (os trabalhadores por conta de outrem que sustentam a quase totalidade das receitas de IRS) é que pagam a crise. Já desconfiávamos disto quando ouvimos a publicidade do Ministério das Finanças apelando à contribuição fiscal insistir na exigência de factura aos canalizadores. Para a Dra. Ferreira Leite os responsáveis pela elevada fuga ao fisco são os canalizadores, os restaurantes, as oficinas automóveis… As grandes empresas… não! Essas até são de alguns amigos, gente conhecida, impoluta e séria. Até se disponibilizam, para comprar alguns quartéis, umas quintas, uns palacetes bem situados para urbanizar…só para ajudar o Estado e o Dr. Durão Barroso a cobrir a tanga.

As despesas do Estado, enormes, gigantes e avassaladoras, no tempo do despesismo guterrista, não é que teimam em não diminuir. Renitentes, resistem às vontades da Dra. Leite e do Dr. Barroso. Resistem até ao não aumento de salários na função pública. Segundo o relatório da DGO, entre Janeiro e Outubro, a despesa corrente do Estado registou um aumento de 3,4%. Esperemos que este facto não leve estas duas sumidades financeiras a proporem a diminuição dos salários nominais dos trabalhadores, já que os reais, como sabemos, continuarão a descer no próximo ano. E se os pobres é que devem pagar a crise…

E assim, temos que, como qualquer aluno saberá (mesmo que ande envolvido em manifestações no esforço de diminuir as propinas que os pais terão de pagar), se de um lado diminuem as receitas e do outro aumentam as despesas, o défice só pode aumentar.

Isto seria lapalissianamente verdade se o país não pudesse contar com a esclarecida sabedoria financeira da Dra. Ferreira Leite, que o Dr. Barroso, quando não está ocupado a receber instruções de Mister Bush ou a ouvir os conselhos de Don Aznar, escuta, aplaude e manda executar.

Uns malabarismos financeiros e o problema está resolvido, a tanga esticada e o défice resolvido e a caminhar resolutamente para a sua própria extinção. Basta pôr à venda uns imóveis do Estado, que até não fazem falta, abichar uns milhões do fundo de pensões dos CTT e vender a algum árabe mais perdulário uns milhões de créditos sobre devedores do Estado português e, já está.

Que interessa que para o ano o problema volte a surgir? Ainda há umas coisitas para vender e, quando tudo estiver esgotado e o Estado já não tiver mais activos para alienar, sempre restará a jóia da coroa. A Caixa Geral de Depósitos sempre renderá uns largos milhões… e há tantos amigos interessados.

Uma coisa é certa, para o governo popular-laranja a cruzada contra o défice não parará até à conquista da Jerusalém do défice zero.

Não interessa que o país esteja em crise, não interessa que as empresas fechem, não interessa que os trabalhadores tenham cada vez menores rendimentos, não interessa que os desempregados aumentem.

Contra o défice… tudo!

E eu até aplaudiria a sua esforçada tenacidade se visse que ela produzia algum efeito útil. Mas, ao que se verifica, só à custa de manigâncias financeiras consegue a Sra. Ministra das Finanças fazer figura de boa aluna em Bruxelas. Só vendendo os anéis que, apesar de tudo, a pesada herança guterrista não delapidou, o governo de direita cumpre a sua obstinada meta deficitária.

E assim continuaremos, governados por um aplicado grupo de cidadãos que alguns ainda teimam em chamar governo, mas que, cada vez mais me vai parecendo, apenas, uma comissão liquidatária dos activos do Estado.

Por: Rita Cunha Mendes

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