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A casualidade, a intuição e a persistência

Mitocôndrias e Quasares

O objectivo do desenvolvimento de novos fármacos é melhorar as possibilidades terapêuticas. A situação óptima dá-se quando a nova substância permite o tratamento de uma doença para a qual, até então, não existia tal possibilidade. Contudo, na maioria dos casos, temos que nos conformar com a possibilidade de melhorar uma terapêutica já estabelecida.

O ponto de partida da investigação farmacológica é a procura de uma substância que, em princípio, surta o efeito desejado, apesar de algumas das suas propriedades poderem ou deverem ser melhoradas. As substâncias deste tipo podem ser descobertas por casualidade, por intuição ou por procura sistemática, as quais iremos abordar um pouco mais em pormenor.

Descobertas Casuais

Muitos dos novos caminhos terapêuticos devem-se à casualidade. O desenvolvimento dos diuréticos, por exemplo, sofreu um impulso decisivo ao descobrir-se, por acaso, que um composto de mercúrio com o qual se estava a tratar um paciente afectado por uma doença venérea, quadruplicava e até quintuplicava a excreção de urina.

“Um caso fortuito, pôs nas nossas mãos um preparado no qual descobrimos um efeito antipirético extraordinário”. Por estas palavras, começou um artigo publicado em 1867 na prestigiosa revista Centralblatt fur Klinische Medizin que se intitula “A antifebrina, um novo antipirético”. Nele se descreve que ao confundir-se, por equívoco, naftalina com acetanilida, se descobriu que esta substância possuía propriedades antipiréticas insuspeitas. Como é fácil supor, depois desta descoberta, intensificou-se a investigação no campo das substâncias antipiréticas e analgésicas.

Casualidade e intuição

Não obstante, em muitas ocasiões, o acaso por si só não vale de nada se não unido à intuição do investigador. A descoberta da penicilina constitui um exemplo típico. Em 1928, o bacteriologia inglês Alexander Fleming observou que num dos recipientes em que cultivava bactérias se tinham formado também fungos (não desejados) e que em redor destas colónias apareciam zonas isentas de bactérias. Provavelmente, outros investigadores ter-se-iam limitado a deitar fora esse recipiente. Fleming, pelo contrário, intuiu a importância do processo e decidiu identificar essa substância misteriosa produzida pelos fungos que impedia a propagação das bactérias.

Foram necessários dezasseis anos de trabalho árduo, até que se conseguisse isolar a forma natural desse composto que se chamou “penicilina”. Esta descoberta não foi obra de uma só pessoa, mas de muitos investigadores que trabalhavam na Universidade e na indústria farmacêutica.

Intuição e procura sistemática

Paul Ehrlich, fundador da quimioterapia, galardoado em 1908 com o Prémio Nobel da medicina pelos seus excelentes trabalhos, constitui um exemplo clássico da conjugação da intuição com uma procura sistemática.

Uma das suas ideias mais geniais foi o fundamento da quimioterapia para combater doenças infecciosas. Se, como ele próprio havia demonstrado, os microrganismos que vivem num organismo hospedeiro podem corar-se sem que o corante afecte este último, ou seja, se um corante se comporta de maneira diferente perante o microrganismo e o macrorganismo, também deveriam de haver substâncias capazes de destruir os microrganismos ou de impedir a sua propagação, sem causar dano significativo ao hospedeiro. Baseando-se nesta ideia, começou a utilizar compostos de arsénio e tentou eliminar a sua toxicidade mediante a sua transformação química. A combinação número 606 (o número de experiências até então realizadas), o arsenobenzol, iniciou a luta quimioterapêutica contra a sífilis.

Esta ideia de casualidade, intuição e persistência são características da ciência, às quais se associa o escrutínio céptico, a necessidade de corroborar as hipóteses mediante a observação de fenómenos naturais e a experimentação. Estas características fazem parte da base que criou o edifício científico ao longo da história.

Por: António Costa

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