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A casa de Hitler

Agora Digo Eu

Cento e vinte sete anos após o nascimento do “homem que mudou a História” sabe-se agora que após uma longa batalha jurídica o governo da Áustria é o legítimo proprietário do prédio onde Adolf Hitler nasceu, pretendendo, se o Parlamento der luz verde, demolir o edifício. Ao que parece no final da semana passada o governo fez marcha atrás afirmando que quer fazer ali uma profunda remodelação.

O prédio em causa é, sem sombra de dúvidas, propriedade de Estado austríaco, mas é, indiscutivelmente, da cidade de Braunau-am-inn, dos seus habitantes, do povo austríaco, do povo alemão, do povo de todos os povos, em suma, é do mundo, faz parte da História de todos nós, é da Humanidade. Não admira que no centenário do nascimento de Hitler, em 1989, fosse colocada em frente ao edifício uma placa que muito nos diz “Pela Paz, Liberdade e Democracia. Fascismo nunca mais. Lembremos milhões de mortos”.

Em Ferrol, terra natal de Francisco Franco, a memória faz lembrar os antifranquistas fuzilados no castelo de S. Filipe e nos cemitérios de Serantes e Canido aquando do golpe de estado de 1936. O mesmo acontece em Dovia de Predappio, terra natal de Mussolini, e isto obriga-nos a refletir a ditadura em Portugal. Na fachada da casa onde nasceu Oliveira Salazar deveriam constar os nomes de centenas de antifascistas assassinados e mais as centenas de mortos da revolta de 7 de fevereiro de 1927, outros tantos na revolta da Madeira, chefiada por aquele que, pela calada da noite, foi depositado no cemitério da Guarda, o general Sousa Dias, e mais os milhares da guerra da Índia, de Timor, da Guiné, Angola, Moçambique, numa visível alusão a todos quantos, lutadores pela Liberdade, foram torturados e assassinados a mando do regime.

A História não tem donos. Não pode ser votada nem simplificada nos factos que ainda hoje se repercutem na nossa memória. A História usa várias fontes de informação baseada em eventos, testemunhos e pergaminhos, apresentando sempre respostas sobre o passado num conceito pragmático de certa preocupação didática, mostrando, na maior parte das vezes, os erros do passado. Como afirma Henry Steele Commager, «a História como registo tem três estados. O primeiro é o conjunto de factos. O segundo é a organização dos factos para que se torne um padrão coerente. O terceiro é a interpretação dos factos e do padrão», e é bem verdade que ninguém passa na vida sem deixar marcas.

Fidel Castro, defendendo-se no Tribunal de execução de Fulgêncio Batista, pronunciou o discurso publicado no livro “A História me absolverá”. Hitler será eternamente culpado mas tudo aquilo que resta do terror e Holocausto deve e tem de ser preservado e, quer se queira quer não, demolindo ou remodelando o prédio, jamais impedirá os neonazis de ali irem em peregrinação e o nº15 da rua Salzburger Vorstat, na bonita cidade de Braunau-am-inn, será sempre recordado como o local onde Hitler nasceu.

E se o governo austríaco não sabe interpretar a História que seja o Parlamento permeável ao comité de avaliação, aos partidos, associações e abaixo-assinados nesse modesto contributo para a História, permanecendo o prédio tal qual está. Pelo passado. Para memória futura.

Por: Albino Bárbara

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