O “sagitário” Ladislau Patrício, médico e autor egitaniense, dizia, há cerca de um século, que, quando regressava a casa, de noite, só o barulho da [infrene, conjecturo] canzoada violava o sossego do burgo.
Há cerca de 20 anos, um taberneiro – proprietário de casa de pasto decidiu fazer um prédio, precisamente frente àquele em que eu morava; e não encontrou melhor meio de guardar materiais de construção, que, entretanto, foi adquirindo, que prender um cão junto.
Lá tive eu que ir falar com ele à taberna, mas, passe o estimado leitor o plebeísmo, “esteve-se nas tintas” para o que ouviu. E como, em princípio, esmerada educação está acima de taberneiro, eu e minha mulher, de madrugada, fomos queixar-nos à esquadra.
Imagine-se um animal a ladrar ininterruptamente. Por ser matemática ou por qualquer outra razão, ela fixou o momento em que nos levantámos – 3h33 da madrugada.
A PSP foi exemplar: 2 agentes acompanharam-nos para verificarem a situação, mas, claro, naquele momento nada puderam fazer. Ambos ficaram absolutamente indignados com o que presenciaram; e um deles exclamou: “A Guarda é uma aldeona!!”. Nunca mais me esqueci de tão certeira afirmação e, visto nem sequer saber se ainda aqui faz serviço, de qualquer modo o saúdo, tal qual aos superiores que tão bem entenderam o que estava em jogo.
O taberneiro, claro, sempre se “borrifou” para aulas às 8h30 e “cabeças frescas” perante os alunos.
Doutra vez senti uma ladradura violenta e chego à varanda: 3 ou 4 cães saem violentamente de um pátio e arremetem contra um motociclista que derrubam.
Durante 16 anos como deputado municipal, notei como as ladraduras, matilhas, imundices, assaltos aos contentores de lixo, medo provocado às crianças e o perigo para a saúde pública de tudo isso advindo, foram, perdoe-se a ironia, um Leitmotiv das sessões.
Não resisto mesmo a narrar algo curioso.
A Exª. Sra. D. Madalena, muito simpática Presidente da Junta de Freguesia de Vila Soeiro, no início de uma assembleia, ainda no edifício anterior (1990?), após ter-me dito que os “fiéis amigos” não a tinham deixado pregar olho toda a noite, pediu-me para que eu, alto e bom som, falasse de tal escândalo.
Sorridente escusei-me – nem sequer era do PS. Disse-lhe, mais ou menos, isto: “Tem mais que categoria para o dizer”. Mas, depois, calou-se.
Mais recentemente, o meu estimado colega Dr. José Manuel Monteiro, n’”A Guarda”, voltou ao assunto em bem escrito artigo, ademais ilustrado com um cão vadio no Jardim José de Lemos.
Há poucos anos tive que meter em Tribunal alguém, vindo de Angola após o 25 de Abril, porque acarinhava cães que não me deixavam dormir. “Estava-se nas tintas”, como o taberneiro.
A criatura mudou de casa (daqui agradeço ao Governador Civil de então, Prof . Fernando Cabral, as diligências que fez após ter-lhe exposto a situação) e os novos vizinhos meteram-na igualmente em Tribunal, pela mesma razão.
Dado o protagonismo da canzoada, desta vez é uma licenciada oriunda do outro lado de África, que deita os restos do comer no passeio do outro lado da rua, ou… do outro lado do meu quarto.
O leitor não se espante por eu dizer licenciada a dar a primazia à canzoada. Um filósofo amigo sempre me reiterou que “a melhor ficção é a realidade”.
Sai de pijama para a rua, dá, se for o caso disso, umas cabriolas no varão à entrada da sua (dela) porta e, com um pouco mais de frio, traz robe.
Os latidos não deixam dormir os vizinhos? Danificam-se espaços que deviam ser de jardim? Os bichos fazem que varejeiras entrem pela casa adentro se se abre uma janela, mesmo no Inverno? Os restos são um espectáculo repugnante? Por que não um pouco mais de inteligência, civismo, urbanidade, ainda por cima numa licenciada?
Nenhuma política se entende sem ser serviço público. E, antes de haver um serviço público, tem que haver princípios de decência e decência de princípios. Este, claro, o busílis.
Não era de supor que o Executivo tivesse estes princípios de decência – ademais alertado há décadas? Tendo sido – e continuado a ser – tão avisado, por que continua a chaga? A Guarda está condenada a ser “aldeona”? O Executivo, há tempos, andou com a treta psitacista da auto-estima, a que até o Presidente da República aderiu (ah!, recusei-me a colaborar em tal mistificação na “Praça Velha”). Mas, a este respeito, que faz por elevá-la? Sabe o Executivo o valor do sono? Importa-lhe o melhor trabalho para a melhor comunidade, que só o sossego pode propiciar?
“Melíflua” vem de mel. Salvo quando irada, é a voz da Presidente da Câmara quando lhe apresentam problemas que não tem categoria para resolver, ou… sempre? Dirá que até já fez um canil e tudo. Não é o tudo do Almada Negreiros, bem entendido.
Os munícipes ficaram sem o seu dinheiro para a residência da canzoada, mas, pela minha parte, não o autorizei.
Como não podem exportar-se para a China, animais vadios devem, pura e simplesmente, ser abatidos, os que se encontrarem na rua a atemorizarem pessoas e fazerem mal, devidamente recolhidos – e os donos pagarem multas avultadissímas (licenciada seja no que for ou analfabeto). Aqueles donos cujos animais, durante a noite, incomodem, devem igualmente pagar multas avultadissímas, bem como os dos animais devidamente identificados e mandados para a via pública.
Para ser Executivo, tem que se estar à altura de dar educação e ter firmeza para a impor. Caso contrário, rua!
Há tempos, em Coimbra, um munícipe escreveu para o jornal a contar “infinitamente” menos que o que relato – e mais haveria a contar. Na edição seguinte, o jornal trazia a fotografia do carro camarário a apanhar os canídeos.
É a diferença entre uma cidade e uma “aldeona”. O bem público prevalecerá sobre os desmandos individuais. Não é o Executivo “socialista”!? – Ora essa!!
Guarda 30-III-04
Por: J.A. Alves Ambrósio