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À canelada

Quando Scolari veio para Portugal lembro-me de ter escrito aqui no jornal “Temos homem”. Se fosse hoje já não o faria. Na “pública” deste domingo saiu uma entrevista de Scolari e a primeira reacção foi ficar chocado. As declarações, para mais escritas da maneira que ele fala, que é um português quase sem regras gramaticais, só não escandalizam quem as não ler. Para situar o leitor, Scolari diz que ganhar é o objectivo, nem que seja à canelada! Isso mesmo, ganhar custe o que custar. O tom do seu discurso remete-nos para imaginários do tipo “profissional killer”, contratado para matar, no caso para ganhar. E se se quiser qualificar as suas declarações talvez o adjectivo de “maquiavélico” assente que nem uma luva. Parece que ganhar justifica tudo. Mesmo o jogar mal. Pelas palavras de Scolari o modelo a seguir é Mourinho e o FCP. Só neste contexto se compreende a afirmação de que “o Futebol só é espectáculo quando tu ganhas”. Já por outro lado parece incoerente o objectivo traçado: “Chegar ao fim do campeonato entre os quatro finalistas” ou “a meta é chegar entre os quatro finalistas”, ou ainda, “Chegando entre os quatro finalistas acho que Portugal já atingiu um excelente lugar.”. Estará ele aqui já a fugir com o rabo à seringa?

Merece a pena parar um pouco e reflectir sobre este discurso sargentão de Scolari para quem ganhar nem que seja à canelada é o pensamento dominante.

Quanto a mim Scolari parte para as suas teorizações de um axioma errado – só há espectáculo quando se ganha. Apetece perguntar neste ponto: quem se lembrará daqui a dez ou vinte anos da equipa do Brasil (por sinal a dele) que ganhou na Coreia do Sul? E ao invés quem não se lembrará da equipa brasileira que não ganhou o Mundial de Espanha 82, mesmo que sobre a data passem 40 ou 50 anos de futebol. O que fica de um jogo, tenha paciência, senhor Scolari, não é só o resultado, e às vezes até é isso o que menos interessa. Confundir o produto com o processo é um erro de palmatória que não abona na clareza de conceitos nem na inteligência da análise. E o que dizer sobre a canelada? Que sentido tem dizer que se joga com as armas que os outros têm? Que se os outros descem baixo na ética e no fair-play, também nós vamos descer?

Não se podem deixar passar em claro observações do quilate das que o Sr. Scolari fez. Provavelmente tal só é possível porque em Portugal já quase ninguém se escandaliza com nada. Mas parar um pouco e pensar no alcance das declarações de Scolari é o mínimo que deveríamos fazer. Afinal é da Selecção de todos nós que se trata. No mínimo a Federação deveria chamar Scolari à atenção. Não é com declarações destas, ainda por cima do responsável máximo pelas selecções de Portugal que se dá um exemplo de correcção desportiva aos jovens. Que princípios e que educação se podem depois esperar quando a filosofia adoptada pela Selecção é “olho por olho e dente por dente”?

Por: Fernando Badana

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