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A cadeado

Pontos nos Is

A contestação ao aumento das propinas tornou-se na mais criticada das reivindicações feitas por estudantes nos últimos tempos. A expressão «não pagamos» não tem nada de novo. Bem recordo a contestação estudantil que chegou mesmo a mostrar o rabo ao Governo. As gargantas exclamavam a frase que se lia nas nádegas de alguns mais atrevidos: «não pagamos». Os líderes estudantis de então viviam a intensidade do momento como se a sua luta fosse vital para a nação. Esses líderes de antanho passeiam-se hoje entre os corredores do poder e os escritórios de famosas sociedades de advogados. O entusiasmo em defesa de interesses comuns foi esquecido. Desse período intenso de fogosas manifestações ficou apenas «a geração rasca», expressão escrita por Vicente Jorge Silva num editorial e que perdura na memória colectiva.

Nesses anos noventa havia – como agora – milhentas razões para sair à rua em defesa de um ensino de qualidade, de melhores condições, etc, mas a única razão apresentada foi o aumento das propinas. Como nos anos noventa, em breve, os estudantes mais contestatários irão recolher as tarjas e cartazes e, tranquilamente, vão deixar para as calendas as razões do protesto.

Existem, no entanto, algumas diferenças. No final dos anos oitenta a «geração rasca» tinha aulas, em muitos casos, em salas sem aquecimento onde por vezes até chovia, arrendavam quartos ou iam para “repúblicas” por falta de residências académicas, as cantinas – onde as havia – matavam as papilas gustativas de qualquer mortal, a burocracia era o denominador comum aos funcionários que nas secretarias falavam com “o rei na barriga”, as aulas eram um sofrimento… No entanto, a «geração rasca» lutou apenas contra o aumento das propinas.

Antes como agora só nos manifestamos quando nos metem a mão no bolso. A verdade é que o argumento de que o “pai” Estado tem de pagar tudo já não serve. O Estado somos nós. Todos nós.

Felizmente tem crescido o número daqueles que têm direito a bolsas de estudo. E essa deve ser a reivindicação de todos. O ensino deve ser um direito de todos e para que tal seja possível é necessário que haja uma boa acção social. Quem tem condições para pagar propinas tem de o fazer. Claro que para isso tem de haver uma reforma fiscal que permita definir, com rigor, quem pode ou não pagar.

Entretanto, e esta é a parte mais complicada e absurda, vemos como alguns estudantes entraram de rompante em senados onde se definia o valor da propina; ou como encerraram a cadeado portas e portões – um pouco por todo o país – impedindo a entrada a professores, funcionários e estudantes. O sucesso de uma contestação não pode ser o resultado desta forma de actuar. Os líderes universitários e as autoridades foram brandos e tiveram medo de aplicar a lei. O pior é que, como escreveu João M. Tavares, no DN, estes são os “doutores” de amanhã e se esta é a futura elite do país estamos bem tramados.

Luís Baptista-Martins

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