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A boa estrela de Frank Capra

Mediateca da Guarda exibe amanhã um grande clássico da comédia americana

A Mediateca VIII Centenário, na Guarda, propõe amanhã à noite um dos maiores contos de fadas para adultos jamais produzidos em cinema. “Do Céu Caiu uma Estrela”, de Frank Capra (1897-1991), é um contributo fantástico para o espírito natalício apresentando uma mensagem fortemente positiva ancorada na defesa dos princípios da solidariedade, amizade, amor, família e comunidade. James Stewart e Donna Reed, nos papéis principais, protagonizam este grande clássico da comédia americana do pré-guerra (embora tenha sido realizado em 46) com uma história simples onde impera o sentido do dever e do bem.

Um ideal social próprio do populismo pré-capitalista que sobreviveu nos EUA às duras provações da Grande Depressão e do “New Deal” de Roosevelt, mas que o realizador de origem italiana filmou como ninguém. Tanto assim que os críticos classificam de autênticas obras-primas alguns dos melhores filmes de Capra, apesar de reconhecerem que as ideias que lhes estão subjacentes são «intelectualmente vazias, banais, simplistas e populistas». A explicação de tanto sucesso pode residir nas personagens – quase sempre heróis em que a bondade é inata, inocentes derrotados e enganados, idealistas defensores das causas em que acreditam e com um sentido social a toda a prova -, como nos guiões brilhantes capazes de gerar gargalhadas e lágrimas na plateia. De resto, os seus protagonistas pertencem a classes sociais médias baixas e lutam quase sempre contra um “vilão” cuja imagem está sempre associada ao capital, à banca ou ao dinheiro, que parece ser, em Capra, um elemento de podridão social e moral que só pode conduzir à solidão e à morte. A história de George Bailey (James Stewart) é disso exemplo, já que “Do Céu Caiu uma Estrela” é também uma apologia do crédito social. Bailey, que renunciou a uma carreira brilhante, tem por princípio que se podem adiantar os fundos necessários ao conforto de uma família sem outra garantia que a boa vontade dos beneficiários, uma ideia evidentemente incompatível com taxas de juros elevadas e que o leva à ruína.

Na véspera de Natal, este homem bom, responsável por uma sociedade familiar de construção vocacionada para ajudar os mais carenciados, está à beira da falência e tenciona suicidar-se por ter fracassado na sua missão. É então que intervém a vontade divina, através de Clarence, um anjo de segunda classe que desce à terra para ganhar as suas asas de primeira categoria. Quando Bailey diz a Clarence que teria preferido não ter nascido, o anjo faz o milagre de voltar atrás para mostrar ao seu protegido como seria a realidade da pequena comunidade se ele não tivesse existido. Nesse “flashback”, Bailey é confrontado com uma cidade triste, decadente, onde os seus amigos e familiares são infelizes e falhados, enquanto o rival – Henry Potter – é o dono da cidade, que passou a chamar-se “Pottersville”. Esta visão faz Bailey mudar de ideias e voltar para casa, terminando o seu pesadelo num sonho inacreditavelmente positivo, pois os seus amigos e família fazem um peditório que o salvará da crise financeira. Sequências que fazem “Do Céu Caiu uma Estrela” o primeiro filme do cinema fantástico, segundo a crítica especializada, na medida em que todo o enredo é visto do céu. A vida do protagonista, que desfila na primeira metade do filme, não é mais que um prólogo da chegada sobrenatural do anjo enviado para salvar Bailey do desespero e do suicídio.

Este filme marca o apogeu da carreira de Frank Capra e o princípio do fim. De 1948 a 61, o realizador só filmou cinco filmes, dois dos quais foram “remakes” de trabalhos seus, e viu rejeitados seis projectos.

Luis Martins

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